terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

A guerra entre Irã e EUA na Síria

A batalha geopolítica na Síria também está contaminada pela rivalidade regional entre sunitas e xiitas. A elite síria alauíta – ramo minoritário do islamismo com mais proximidade aos xiitas do que as sunitas – tem o apoio de seu grande aliado e patrocinador: o xiita Irã. Neste contexto, não é surpresa que a Liga Árabe – formada em boa parte pelos poderosos sunitas Arábia Saudita, Catar, Emirados Árabes Unidos e Omã, por exemplo – tenha dado um passo à frente ao tentar emplacar a resolução que condenaria o regime de Bashar al-Assad na ONU. Não deu certo, como se sabe.
 
No entanto, este quadro mais amplo que coloca em lados opostos xiitas e sunitas explica o que está em jogo. Se o regime de Assad cair, o Irã perde seu único aliado árabe. E, convenhamos, o poderio militar, político e econômico sírio não pode ser ignorado. Derrotar o presidente sírio e seu regime é, no fim das contas, impor também uma derrota importante aos iranianos. Isolá-los é subir mais um degrau na guerra que já está em curso no Oriente Médio. Derrotar a República Islâmica sem necessidade de um enfrentamento direto é a estratégia que mais agrada aos americanos. Quanto mais o governo de Mahmoud Ahmadinejad estiver enfraquecido, menores as possibilidades de um conflito militar. Isso, claro, se a estratégia de Washington não levar em consideração como pode ser perigoso forçar esta espécie de rendição total do Irã (a reflexão do pesquisador Mark A. Heller, da Universidade de Tel Aviv, é um contraponto a esta visão. Convido-os a lerem o meu texto do último dia 26 de janeiro para uma análise mais ampla sobre o assunto)

Para ser muito claro, acho que a estratégia americana é a de comer pelas tabelas. Autoridades dos EUA já declararam que uma intervenção na Síria é algo impensável. Até por conta de fatores externos, e não me refiro somente aos riscos políticos que envolveriam uma operação do gênero. O líder supremo iraniano, Ali Khamenei, disse abertamente que uma ofensiva americana seria respondida com um conflito regional. E, claro, Washington quer evitar isso ao máximo. Mas, ao mesmo tempo, a Casa Branca trabalha abertamente com o discurso de mudança de regime na Síria, o que soa contraditório, na medida em que descartam intervenção.

Os americanos vão optar pelo modelo líbio. Não o que concretizou a ofensiva aérea que, no fim das contas, contribuiu enormemente para a queda de Kadafi. O outro lado da guerra na Líbia foi o armamento dos grupos de oposição, mesmo que ninguém tivesse claro – e esta pergunta ainda não foi respondida, diga-se de passagem – quem eram seus membros e o que eles defendiam ideologicamente. Os EUA vão armar o chamado Exército Livre da Síria. A diferença neste caso – e que dá um pouco mais de sustentação à decisão americana – é que, ao contrário do que aconteceu na Líbia, Washington contava até esta segunda-feira com uma embaixada local. A representação em Damasco certamente fez contatos com os grupos de oposição durante quase um ano (tempo transcorrido entre o início dos confrontos até a decisão de Washington de fechar a embaixada devido ao temor de que o prédio pudesse ser alvo de represálias do governo Assad).

O embaixador Robert Ford (foto) – sobre quem, inclusive, já escrevi um post por aqui – é pessoalmente envolvido nos conflitos em território sírio desde o começo da agitação local. Tanto que os defensores de Assad o consideram mais ativista do que diplomata. O comunicado oficial da Casa Branca divulgado na segunda-feira deixa claro para quem quiser ler: “Ao lado de outros oficiais de nível sênior, o embaixador Ford vai manter contatos com a oposição síria e dar continuidade a nossos esforços de apoiar uma transição política pacífica”. Como até agora não há qualquer demonstração de alguma possibilidade de transição pacífica, o projeto de mudança de regime deve se basear no enfrentamento indireto com Assad. E, por consequência, com o Irã, aliado do regime também na esfera militar. Para os que ainda não notaram, a guerra entre Irã e EUA está prestes a acontecer.

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