A força área de Israel sobrevoou a Síria e atacou um comboio que supostamente transportava armamento para o Hezbollah, no Líbano. A partir disso, uma série de especulações passou a dar material a colunistas nos principais veículos de imprensa do mundo, além de gerar o efeito cascata de ameaças e condenações dos importantes atores globais interessados em influenciar nos assuntos do Oriente Médio.
Acho que ninguém fez uma leitura tão serena do evento quanto o pesquisador Matthew Levitt, do Washington Institute for Near East Policy. “Israel pode atualmente fazer voos de reconhecimento sobre o Líbano. As armas (transportadas da Síria para o Líbano) poderiam dar fim à capacidade (israelense) de conduzir (práticas de) inteligência aérea”. Segundo um oficial americano ouvido pelo New York Times, o comboio levava sofisticadas baterias antiaéreas SA-17, armamento pesado sírio. No fundo, tudo isso tem muito a ver com o momento atual de conflito envolvendo Bashar al-Assad e os rebeldes. O presidente sírio tem no Hezbollah, no Líbano, um aliado importante que, junto com Irã e Síria, forma seu principal pilar de sustentação.
Por isso, é bem capaz de começar um movimento importante de transporte de seu arsenal. Para complicar a situação, estimativas dão conta de que existe a possibilidade de, hoje, a Síria manter o terceiro maior arsenal de armas químicas do mundo. E aí volto a abordar um assunto que vez por outra é tema aqui no blog; a macroestratégia de defesa de Israel. Construída ao longo da história do Estado judeu e independente da coalizão ou dos governantes que ocuparam a liderança do país, a principal linha que rege as decisões israelenses leva em consideração um ponto fundamental: nenhum outro ator regional pode ter capacidade militar igual a de Israel. Este raciocínio não foi gerado a partir do nada, mas deriva de sucessivos episódios que mostraram algo que os israelenses consideram, não sem boa dose de razão, óbvio: inimigos regionais atacaram Israel em todas as oportunidades que julgaram ter potencial militar para isso.
Agora, a situação é um pouco mais complicada porque, na prática, o Estado sírio está ruindo. E há gente demais preocupada com este arsenal militar. Israel agiu primeiro por considerar assunto urgente o transporte de armamento de grande potencial bélico ao Hezbollah, a milícia xiita instalada na fronteira entre Líbano e Israel e contra a qual Jerusalém travou uma guerra dura em junho de 2006. Ao que tudo indica, a possibilidade de a bateria SA-17 ser colocada na fronteira norte do país foi o evento-limite estabelecido pelas autoridades israelenses. Mas, segundo Aaron Stein, do Centre for Economics and Foreign Policy Studies, de Istanbul, Israel e Turquia têm compartilhado informação sobre o destino do arsenal sírio, já imaginando o caos (ainda maior) em que a Síria irá se transformar quando Assad cair. Se o grande temor de Jerusalém é ver este arsenal cair nas mãos do Hezbollah ou mesmo da al-Qaeda – que se faz bem presente entre os rebeldes sírios – , os turcos temem com a mesma intensidade que os separatistas curdos possam se beneficiar deste vazio político.
É claro que a Turquia não irá assumir isso publicamente, na medida em que seu posicionamento internacional procurar caminhar em paralelo ao da opinião pública árabe e islâmica. Aliar-se a Israel não pegaria bem, muito embora é possível que isso esteja acontecendo agora.