Para quem considerava absurdos os números dos mortos na Síria, aí vai uma atualização. Se antes boa parte do mundo se espantava com os 40 mil civis que perderam suas vias durante a guerra civil, esses números agora foram revistos. Para cima. Segundo estimativas da ONU, já foram mais de 60 mil mortos. Mesmo assim, é provável que este dado esteja aquém da realidade, uma vez que contabiliza somente aqueles oficialmente registrados. E, ao contrário do que se imaginava, o presidente Bashar al-Assad não está necessariamente de saída. E não apenas devido à demonstração de popularidade um tanto fabricada desta semana, quando falou a uma considerável plateia de admiradores em Damasco (foto).
É pouco provável que as potências ocidentais passem a agir mais incisivamente na tentativa de forçar a derrubada de Assad. Não apenas pela memória recente da guerra na Líbia, mas porque há indícios conhecidos de muitos fatores que tornariam problemático um projeto de intervenção: a al-Qaeda está na Síria. E este é um fato, não uma suspeita somente. O grupo mais conhecido vinculado à rede terrorista é a organização Jabhat al-Nusra, que combina uma ideologia islâmica linha-dura a táticas de guerrilha. E isso sem falar da própria al-Qaeda, cujo líder, Ayman al-Zawahiri, o substituto de Bin Laden, tem incentivado os sunitas a se voluntariar militarmente em território sírio. Segundo o colunista do Guardian Simon Tisdall, já são 2,5 mil radicais lutando ao lado dos rebeldes, pessoas que vem de lugares tão distantes quanto Indonésia e China.
A al-Qaeda não é um grupo de escoteiros e está empenhada na expulsão de Assad não porque quer democratizar a Síria, mas porque sabe o tamanho da oportunidade estratégica que representa transformar o país num território anárquico (permitam-me o uso da expressão neste caso). Localizada às margens do Mediterrâneo, na fronteira com Líbano, Israel, Iraque, Turquia e Jordânia, a Síria é um ponto estratégico do Oriente Médio. A instalação do grupo terrorista no país permitiria proximidade a muitos de seus alvos regionais e também na África e na Europa – lembrando sempre que o objetivo final de Bin Laden sempre foi restabelecer o califado muçulmano que deveria se estender até Espanha e Portugal. Pode soar como loucura, mas é isso mesmo.
Os países ocidentais ainda têm mais um problema: as armas químicas sírias. Assad já deixou claro que está em guerra contra a própria população. O realismo político sobre o qual falo com frequência por aqui se manifesta de forma bastante explícita neste caso; americanos, europeus e os países vizinhos do Oriente Médio deram a deixa para o presidente sírio. Possivelmente, nada será feito em nome deste raciocínio realista. Quanto mais cruel o regime se torna, quanto maior a imprevisibilidade dos comandados do governo de Damasco, menor é o interesse ocidental de se meter neste problema. A ideia agora é tentar convencer Assad a diminuir o ritmo, deixando claro que ninguém vai intervir. O ditador fez a leitura do comportamento ocidental recente e entendeu que o único caminho para evitar a intervenção sem abrir mão do poder era intimidar as potências a partir de atitudes imprevisíveis, que incluem a manipulação explícita de seu arsenal de armas químicas como forma de mostrar abertamente que está disposto a tudo para manter o status-quo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário