quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Intervenção francesa no Mali expõe contradições internacionais



A operação francesa para impedir o avanço da al-Qaeda no Mali é mais um exemplo do realismo político sobre o qual venho tratando nos últimos posts. A ação militar de Paris para enfrentar a tomada do nordeste do Mali pela chamada al-Qaeda no Magreb Islâmico (AQIM) foi costurada rapidamente. Na última segunda-feira, recebeu apoio unânime do Conselho de Segurança da ONU, inclusive de Rússia e China, os mesmos países que têm barrado qualquer atitude mais contundente contra o regime de Bashar al-Assad, na Síria. A ação dos terroristas no Mali é, ainda, mais uma das consequências e demonstrações da nova geopolítica mundial. 

A al-Qaeda quer transformar o norte do país em território livre para atuar. Na verdade, os terroristas já estão instalados de forma praticamente independente na região há dez meses. A infraestrutura de que dispõem é, possivelmente, a maior que a rede já teve; são 300 mil quilômetros quadrados que incluem aeroportos, depósitos de armas e instalações de treinamento militar. Na prática, é um país pronto para servir de base aos propósitos da al-Qaeda. É bom dizer de cara que, como de costume, a tomada do território veio recheada de justificativas ideológicas: independência aos Tuareg, habitantes das partes norte e ocidental do Saara, resposta ao governo da Argélia – que permitiu aos aliados usarem seu espaço aéreo na ofensiva que derrubou Kadafi, na Líbia –, e, como sempre, a adoção da lei islâmica em todo o Mali. Tudo isso é besteira. 

A verdade mesmo é que a al-Qaeda está aos poucos conquistando objetivos importantes que podem contribuir, na visão de seus membros, para a concretização de sua macroestratégia. A instabilidade no Mali é acompanhada por algumas possibilidades interessantes; a Líbia continua longe de poder ser considerada um Estado pacificado e organizado, a Somália é território instável há 20 anos, e ninguém pode prever quando e se a Síria voltará a ser um país de verdade. Para a al-Qaeda, todos esses acontecimentos representam grandes conquistas. E, o ponto fundamental disso, é que o grupo aos poucos pretende retomar sua importância no mundo islâmico, sufocada pelos movimentos populares, pacíficos e pragmáticos que ficaram conhecidos como Primavera Árabe. Com o futuro incerto no Egito, na Síria e na Líbia, a esperança quanto a mudanças genuínas fica, naturalmente, abalada. 

A França está defendendo seus próprios interesses. Único país europeu com histórico militar significativo recente, o país está servindo aos propósitos europeus ao tentar impedir que o Mali se transforme numa base da al-Qaeda relativamente próxima à Europa. O realismo do parágrafo inicial tem a ver com isso; o Conselho de Segurança da ONU aprova com agilidade a intervenção francesa, mas se cala diante da tragédia humanitária na Síria e condena Israel por tentar destruir a infraestrutura de lançamento de mísseis do Hamas, em Gaza. 

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