Ainda não existe máquina do tempo. Se existisse, o presidente Obama já teria feito várias viagens ao passado. Possivelmente, ele estaria mais ansioso para voltar ao final dos anos 1990, ser candidato à presidência americana e, claro, vencer. Assim, poderia não tomar a decisão de invadir o Iraque, em 2003. Onze anos depois, o levante sunita contra o governo xiita do presidente pós-intervenção, Nouri al-Maliki, coloca em xeque a própria existência do Iraque como também a frágil estabilidade do Oriente Médio.
Antes que me corrijam sobre a completa ausência de estabilidade regional, já adianto que me refiro somente aos Estados nacionais. Bem ou mal, Síria, Iraque, Irã, Israel, Egito etc existem já há tempo suficiente para se consolidarem como protagonistas do jogo político. Agora, não por acaso, Síria e Iraque estão sob ameaça. E, como já escrevi tantas vezes por aqui, a principal força de instabilidade é a disputa sectária entre sunitas e xiitas (ao final deste texto, uma pequena explicação sobre a diferença entre os dois grupos). Esta disputa rachou o Oriente Médio em dois, estabelecendo eixos estratégicos e supranacionais. Por exemplo, o chamado eixo sunita é formado por países considerados “moderados” (as aspas nunca foram tão apropriadas), como Jordânia, Egito e Arábia Saudita. Na prática, a liderança constituída do eixo sunita encontra mais afinidade com Washington, o que transformou a situação numa batalha geopolítica, aprofundando ainda mais o sectarismo nesses países.
Por oposição, os xiitas formaram suas próprias alianças. Assim, o arco entre Síria (cuja maioria da população é sunita, mas Bashar al-Assad é alauíta e, por isso, mais identificado com os xiitas), Irã e Hezbollah (a milícia xiita do sul do Líbano) se fortaleceu, tendo na divergência estratégica com os EUA uma de suas principais afinidades. Para esperança deste eixo, curiosamente os EUA prestaram um enorme favor ao derrubar Saddam Hussein, ditador sunita que controlou o Iraque entre 1979 e 2003. Foram os EUA que ajudaram a quebrar a dominação institucional sunita, que reprimia a população xiita. O problema é que Maliki, o atual presidente iraquiano, fez exatamente o oposto. No lugar da ditadura sunita de Saddam Hussein, um regime fraco que privilegiou os xiitas.
Diante da instabilidade na Síria, onde os sunitas também lutam contra o governo de Bashar al-Assad, a invasão ao Iraque é mais uma oportunidade de ampliar o sonho radical terrorista de formar um califado islâmico. A instabilidade institucional é sempre o ponto fraco preferido para desmontar de vez os Estados nacionais constituídos. Foi assim na Somália, por exemplo.
A diferença entre xiitas e sunitas
De maneira muito básica, a divisão dos muçulmanos entre xiitas e sunitas passou a acontecer a partir da morte do profeta Maomé, em 632 da Era Comum. O menor grupo de fiéis à fé islâmica depositou a confiança de sucessão em Ali Ibn Abi Talib, genro do Profeta. Seus seguidores passaram a ser chamados de Shiat Ali (“partido de Ali”). São os xiitas. A maior parte dos muçulmanos considerava que qualquer um poderia ser candidato ao posto, desde que todos os demais concordassem. Este grupo passou a ser reconhecido como Ahl al Sunna (“o povo da tradição), dando origem ao termo sunita.
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