quinta-feira, 9 de abril de 2015

A doutrina Obama

É difícil falar em sinceridade quando se discute política. Ainda mais política internacional. Ainda mais quando se trata do principal palco da grande política mundial, o lugar onde querem estar todos os que pretendem influenciar os rumos da geopolítica – os que querem ser lembrados nos livros de História. É por isso que a entrevista do presidente americano, Barack Obama, a Thomas Friedman, escritor e colunista do New York Times, tem tanta relevância. Em quase uma hora de conversa no Salão Oval, Obama expõe o que ele mesmo chama de sua doutrina para as relações internacionais dos EUA.

Obama reforça os motivos que levaram os EUA a assinar este pré-acordo com o Irã. O presidente americano decidiu expor esquematicamente suas razões para conter o tour midiático do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu pelos EUA. Obama entende que está sendo atacado e que o líder israelense está em busca de reforçar sua aliança com os republicanos. Como Obama quer fazer seu sucessor e, claro, acalmar os ânimos do Congresso, optou por contra-atacar da mesma maneira. Independente do assunto, é muito valioso ter a oportunidade de acessar o esquema geopolítico de um presidente em exercício. Ainda mais de um presidente americano. Normalmente, este tipo de exposição acontece após os mandatos, quando ex-presidentes se tornam palestrantes ou decidem criar fundações. Clique aqui para ver a entrevista. 

Um trecho especialmente interessante gira em torno da comparação entre as abordagens a Cuba e Irã. Já havia escrito por aqui que a retomada de relação com esses dois países seria muito exposta como dois dos principais trunfos da política externa americana recente. O que o presidente diz sobre isso confirma esta análise. 

“Somos poderosos o bastante para testar essas possibilidades sem nos colocarmos em risco. E este é um ponto que as pessoas parecem não entender; tome por exemplo um país como Cuba. Para nós, testar a possibilidade de relacionamento significa dar melhores resultados ao povo cubano, não há muitos riscos (aos EUA). É um país pequeno. Não é um (país) que ameaça os nossos principais interesses de segurança, e por isso (não há razões) para não testar esta possibilidade (de engajamento com Cuba). E se acontecer de não haver bons resultados, podemos ajustar as nossas políticas. Isso também é verdade em relação ao Irã, um país grande, perigoso e que se envolveu em atividades que resultaram na morte de cidadãos americanos. Mas a verdade desta questão é: o orçamento de defesa do Irã é de 30 bilhões de dólares. O nosso se aproxima de 600 bilhões de dólares. O Irã sabe que não pode lutar contra nós... Você perguntou sobre a Doutrina Obama. A doutrina é: nós vamos nos envolver (engajar, abordar os países, mesmos os rivais), mas vamos preservar as nossas capacidades”. 

O texto acima é uma tradução com comentários, mas dá para entender onde o presidente americano quer chegar. Na prática, este parágrafo resume não apenas toda a entrevista concedida a Thomas Friedman, mas os aspectos que envolvem o processo de tomada de decisão externa deste governo americano. Também é uma dica de como a Casa Branca irá defender o envolvimento com Irã e Cuba (comparando ambos os casos, é bem deixar claro) diante do Congresso. A sociedade americana é amplamente favorável ao pré-acordo com o Irã. Cuba é mencionada como caso similar de propósito, já que, ao menos conceitualmente, a abordagem aos dois países ocorre a partir de uma mesma raiz geopolítica: a ideia de que, apesar de estar aberto ao diálogo, o presidente não abre mão de deixar claro sobre a mesa de negociação o seu grande poder de dissuasão. 

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