Curiosamente, mesmo após vários pronunciamentos do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, nada foi tão eficiente para ameaçar as negociações sobre o programa nuclear iraniano que a decisão dos países árabes sunitas de formar uma força militar conjunta – já em atuação no Iêmen, o teatro de operações do momento que põe em prática as divisões sectárias entre xiitas e sunitas. Mas não há inocentes nesta história toda; os Estados sunitas não são os bons moços da região. E, apesar de o projeto atômico de Teerã de fato contribuir largamente para desestabilizar ainda mais o já instável Oriente Médio, a coalizão liderada pela Arábia Saudita está bem distante de ter como objetivo a altruísta pacificação regional.
No campo da negociação em torno de seu programa nuclear, o Irã continua a ser muito eficiente naquilo que sabe fazer de melhor: deixar o tempo passar sem necessariamente chegar a termos definitivos. Os representantes da República Islâmica sabem que têm em mãos o bem mais valioso perseguido pelas potências ocidentais. Sabem também que o presidente Obama quer muito apresentar aos cidadãos de seu país a solução do impasse iraniano. Sabem também que, se alcançada de modo pacífico, esta solução terá ainda mais valor, considerando que as discussões sobre a sucessão na Casa Branca irão se tornar mais vibrantes a cada mês. Institucionalmente, os EUA não estão dispostos a uma nova guerra no Oriente Médio. O público americano tampouco. Pesquisa da rede ABC mostra que 59% dos cidadãos americanos ouvidos são favoráveis a um acordo em que o Ocidente aceite suspender as principais sanções econômicas ao Irã em troca de restrições ao projeto nuclear. Restrições, não encerramento. Este deve ser o caminho escolhido pelo secretário de Estado John Kerry.
Já os países sunitas buscam deixar claro que não aceitarão a interferência iraniana em seus assuntos internos. Esta é uma parte da verdade. De fato, o Irã, em sua ambição regional, busca maximizar seu poder de ação; é assim na Síria, ao lado do ditador Bashar al-Assad, é assim no Líbano, fortalecendo e armando os também xiitas do Hezbollah, é assim no Iraque, apoiando os grupos xiitas locais, inclusive em seus desdobramentos políticos e religiosos, no Bahrein, apoiando os grupos xiitas locais, e, claro, os houthis, no Iêmen. Nada disso é segredo. No entanto, os Estados sunitas querem estar preparados não apenas para enfrentar a atuação regional iraniana; mais do que isso, temem qualquer movimento popular como a Primavera Árabe, por exemplo. Os países do Golfo são comandados de maneira ditatorial por famílias que em muitos casos herdaram territórios graças a acordos com as potências coloniais, como a Jordânia, por exemplo. É a realeza que certamente não está disposta a flexibilizar suas posições. Ter o Irã como oponente é muito conveniente. Mas vale sempre repetir que não há espaço para inocentes e não se pode dividir geopolítica entre certo e errado. O Irã também tem seus próprios objetivos regionais. O programa nuclear, por exemplo, é o braço mais avançado e conhecido de suas aspirações.
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