É curioso que, por mais inacreditável que seja, o embate entre forças de Israel e grupos radicais palestinos em Gaza tenha colocado do mesmo lado os gabinetes de governo israelense e iraniano. A nenhum deles interessa que as atenções sobre o poderio regional do Irã saia de cena. Como escrevi na última terça-feira, a mobilização da Jihad Islâmica tem, principalmente, este objetivo.
O Irã não quer passar recibo de derrotado. Com o enfraquecimento de sua aliança, seu projeto mais amplo de hegemonia no Oriente Médio também perde força. Se, de fato, os dirigentes do Hamas estiverem dizendo a verdade ao considerar o caminho do pragmatismo e abandonarem de vez a cooperação política e militar com a República Islâmica, a situação iraniana pode ficar crítica na fronteira com o sul do território israelense. Vale lembrar que o Hamas controla Gaza desde 2007 e, do ponto de vista estratégico, Teerã sempre considerou que manter um aliado bem armado logo ao lado de Israel era uma maneira de manter forte pressão e poder dissuasão sobre qualquer pretensão de Jerusalém para frear militarmente os avanços nucleares persas.
Quando o Hamas publicamente manifesta posição contrária, fura esta estratégia. A posição poderia soar menos desconfortável ao gabinete de Netanyahu, uma vez que o Estado judeu passaria a trabalhar com a possibilidade de combate em apenas duas frentes, não três (atacar o Irã e manter a defesa de sua fronteira norte, contendo os mísseis da milícia xiita libanesa Hezbollah). E aí, por mais que uma guerra com o Irã ainda seja muito difícil, diante desta situação, fica menos complexa – o que significa, na prática, dar mais um argumento para o primeiro-ministro israelense convencer os outros sete membros do chamado supergabinete a fechar uma posição em torno do ataque.
E aí retorno ao primeiro parágrafo. O Irã não deseja ser atacado por Israel, claro. Mas precisa manter seu poder na fronteira com o sul do território israelense. Este é um instrumento de poder que amplia a percepção de que o país ainda está na corrida pela hegemonia regional. Com isso, surge um estranho caso de retroalimentação internacional: ao mobilizar a Jihad Islâmica para lançar mísseis sobre o Estado Judeu, o Irã reforça o atual discurso de Benjamin Netanyahu de que é preciso acabar com o programa nuclear iraniano. Porque ele é uma ameaça a Israel e, ainda por cima, consegue encontrar terreno fértil em seus aliados em Gaza, concretizando esta ameaça latente justamente logo ao lado do território israelense.
Vale até fazer um esquema para deixar mais claro:
Irã persegue hegemonia regional – para isso, dentre outras medidas, mobiliza aliados nas fronteiras norte e sul de Israel, fragilizando as defesas do Estado Judeu – que, por sua vez, investe em segurança e reforça seu discurso de que o Irã representa uma ameaça – que não aceita retroceder em sua busca por energia nuclear, porque considera tal iniciativa parte de sua estratégia na corrida por hegemonia regional – o que reforça o discurso israelense quanto à necessidade de investimento em defesa e no desmantelamento da estrutura nuclear iraniana.
É claro que este modelo é amplo demais e serve apenas como uma maneira um pouco mais estruturada e geral de entender a situação de disputa que envolve esses dois atores.
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