O acordo com o qual o presidente Sírio teria concordado na terça-feira – mediado pelo ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan – é quase um sonho. De tão inverossímil, fica até difícil imaginar como seria implementado. O plano prevê que todos os envolvidos interrompam a violência, concordem com duas horas diárias de trabalho humanitário e – ainda mais inimaginável – que Assad permita livre acesso dos meios de comunicação às áreas afetadas pelos confrontos. Estamos falando do regime de Bashar al-Assad, o presidente que nunca aceitou a existência de partidos políticos reais e, claro, liberdade de imprensa.
Acreditar que agora, após um ano de uma guerra sangrenta responsável pela morte de nove mil pessoas, ele irá mudar é ingenuidade. O que Assad ganharia com isso? Ver estampadas nas publicações mundiais corpos de civis mortos pelo regime e carimbar com provas documentais seu passaporte ao banco dos réus do Tribunal Penal Internacional? Um estrategista astuto como Bashar al-Assad não daria um tiro no próprio pé de graça. Por mais que o Estado sírio esteja falido por conta dos conflitos, o presidente do país só irá ceder quando tiver certeza de ter esgotado todas as possibilidades – e, mesmo assim, após garantias de proteção e boa vida a ele e à família, possivelmente com uma aposentadoria garantida no Irã.
Até lá, a estratégia de Damasco será a mesma dos aliados iranianos com seu programa nuclear. Acenará com mudanças e abertura a negociações para logo em seguida voltar atrás. Continuará a controlar os meios de imprensa (todos estatais) e se agarrar ao discurso de que a oposição é formada por grupos terroristas. E por falar na oposição, é com ela que está a chave para compreender os próximos passos do conflito.
A ideia dos Estados opositores ao regime de Assad é fortalecê-la, reduzindo as muitas tensões sectárias que existem entre os próprios rebeldes. Turquia e EUA concordaram em armar os grupos armados de oposição com equipamentos não-letais, como rádios de comunicação, por exemplo. Os turcos permitiram o estabelecimento de uma base rebelde na província de Hatay, no sul do país. Até aí, tudo certo. O problema é que a configuração populacional da Síria é um arremedo de etnias e fidelidades religiosas mantidas em relativa situação de calma somente graças ao governo autoritário existente. Se o regime cai, o cenário muda. Assad sabe disso melhor do que ninguém e, por isso, passou a investir no incentivo às divisões da população.
Sunitas sírios refugiados na Turquia relatam que antigos vizinhos alauítas (membros da minoria da qual o próprio Assad faz parte) passaram a atacá-los com armas fornecidas pelo governo. Este movimento pode se expandir de forma mais grave, uma vez que o movimento rebelde é, em grande medida, dominado politicamente pela Irmandade Muçulmana e por árabes nacionalistas – que, por sua vez, se opõem às reivindicações dos curdos, uma das principais minorias da Síria com 2,5 milhões de pessoas (quase 10% da população do país). Se Assad conseguir provocar uma guerra sectária entre os rebeldes, o movimento de contestação inicial pode estar com os dias contados.
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