O olhar ocidental sobre a tirania tem uma história de evolução. Quer dizer, por mais que esta pareça uma afirmação etnocêntrica, é óbvio que existe um senso-comum que condena regimes autoritários, antidemocráticos e que se baseiam na ausência de respeito aos direitos humanos. É por isso que aos olhos das potências ocidentais (e na visão das pessoas que vivem sob regimes democráticos ocidentais) a prática do presidente sírio é absurda. E é mesmo.
No entanto, já há quem comece a relativizar a situação. Não é o meu caso, definitivamente. Mas não custa fazer um exame da realidade atual da Síria. Moeda desvalorizada, economia parada, congelamento de parte importante da fonte de renda nacional por conta da interrupção do fluxo de turistas, aumento do desemprego e o rebaixamento das reservas cambias ao nível mínimo. Guerra é prejuízo. Guerra civil é ainda pior. E a guerra civil existe por conta deste momento de instabilidade que já dura um ano e que não tem data para terminar.
Como escrevi outras vezes, o Estado sírio corre riscos sérios. Não apenas pela possibilidade real de divisões étnicas e religiosas – mantidas sufocadas pelo regime Assad –, mas porque o terrorismo fundamentalista se alimenta de circunstâncias assim. O sucessor de Osama bin Laden na al-Qaeda, Ayman al-Zawahiri, convocou guerrilheiros islâmicos de todo o mundo para derrubar Bashar al-Assad.
Se a ameaça de invasão de terroristas é iminente – e já está acontecendo – , a possibilidade de derrubada de Assad (mesmo que por tropas ocidentais, algo que me parece muito improvável) tampouco garantiria estabilidade. A lição da Líbia é recente; e os acontecimentos que sucederam a morte de Kadafi podem ocorrer novamente. Na Líbia, os chamados “rebeldes” nada mais eram do que um amontoado de gente: ex-membros do governo e radicais islâmicos das mais variadas vertentes. O Ocidente os ajudou muito por conta do erro estratégico das décadas de silêncio e cumplicidade com as ditaduras árabes. No entanto, a morte de Kadafi não trouxe estabilidade para a Líbia, muito pelo contrário.
Este enredo tem tudo para se repetir na Síria. Mas com cores muito mais fortes. Estrategicamente, a falência do Estado sírio é bem mais grave do que a falência líbia. Deixar que a Síria se desmembre numa guerra étnica sem data para terminar será tão grave quanto os piores anos de conflitos no Iraque pós-Saddam. A movimentação de guerrilheiros no interior de Turquia, Líbano, Jordânia e Iraque a caminho da Síria é um sinal de alerta: a manutenção do status-quo de impasse absoluto não é uma alternativa viável para encarar o problema sírio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário