Há uma especulação que corre em segredo entre lideranças europeias de que os atiradores de elite responsáveis pelo assassinato em massa de manifestantes em Kiev estariam a serviço da oposição política ucraniana, não do presidente deposto, Viktor Yanukovych. Isso é estranho. É mais uma das muitas camadas de informação desencontradas que certamente ainda irão surgir. Se for verdade, é traço de uma maldosa artimanha. Por enquanto, por mais que tenha sido descoberta por meio de um vazamento de conversa telefônica, não passa de especulação. Mas já se transformou em amparo argumentativo da imprensa russa – a imprensa que joga junto com o presidente Putin, uma vez que a imprensa independente é punida por ele.
Pensando em formas de solucionar o impasse, li um posicionamento interessante de Henry Kissinger, secretário de Estado dos EUA entre 1973 e 1977. “a política americana inteligente para a Ucrânia procuraria um caminho para que as duas partes do país cooperassem entre si. Deveríamos procurar reconciliação, não dominar uma das facções”. Ele se refere ao equacionamento das necessidades do leste e do oeste do território, sendo bastante genérico sobre a divisão ucraniana. O problema de Kissinger é o que ele lista como o segundo ponto rumo à solução:
“a Ucrânia deveria ter o direito de escolher livremente suas associações políticas e econômicas, inclusive com a Europa”. Kissinger chama a Europa Ocidental, e a União Europeia (UE) em particular, somente de “Europa”. Mas aí é que está o traço de ingenuidade de Kissinger – se é que existe algo como ingenuidade em Kissinger. Na verdade, discordo dele porque imaginar que a Rússia irá permitir que a Ucrânia se associe à UE é, na verdade, o foco da problemática atual. É justamente isso o que Moscou mais teme. E toda esta confusão está acontecendo justamente porque a Ucrânia quer se associar à “Europa”, como Kissinger escreve. Putin não admite isso porque considera que a Rússia precisa de territórios que lhe protejam contra a “Europa”. A Ucrânia e os demais estados que os russos consideram como de sua esfera de influência servem ao Kremlin como parceiros econômicos, claro. Mas não se pode esquecer que o foco principal desta relação especial é o interesse estratégico da Rússia em manter empecilhos à sua própria fragilidade. Sem grandes barreiras geográficas, a Rússia vê os países orientais da Europa como anteparos físicos.
Por isso, imaginar que Putin irá abrir mão da Ucrânia – e, pior, permitir que ela se associe à “Europa – soa como uma solução que, na prática, é inviável sob o ponto de vista russo
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