Depois de assinar o tratado que reconhece oficialmente a Crimeia como parte da Rússia, chegou a hora de pensar as consequências deste ato. Antes, porém, acho válido fazer um questionamento simples: num mundo onde tudo acontece muito rapidamente, alguém imaginava que a derrubada do presidente ucraniano por manifestantes insatisfeitos com a retirada das negociações para adesão à União Europeia resultaria no desmembramento de parte da Ucrânia?
Pode parecer distante, pode parecer que isso nunca aconteceu, mas a verdade é que o ódio popular inicial em Kiev girava em torno do destino do país como um todo. Para ser muito direto, a ideia era integrar a Ucrânia à UE. Com isso, os cidadãos imaginavam que teriam acesso aos produtos, serviços, mercados e territórios do bloco. O sonho da UE ainda se mostrava poderoso o suficiente para levar milhares de pessoas às ruas insatisfeitas com um presidente que lhes havia negado esta chance – mesmo numa realidade conhecida em que a Europa enfrenta grave crise há seis anos. Mas aí tudo mudou. Hoje o que está na pauta de discussões é a disputa aberta por territórios.
A razão inicial das manifestações foi relegada a segundo plano. A forma como Moscou interpreta as relações internacionais e seu próprio papel geopolítico se sobrepuseram às razões primárias de descontentamento popular de boa parte da população ucraniana. A situação agora é tão grave que há uma escalada aberta do grande jogo político internacional cujas consequências podem – e possivelmente devem – ser dramáticas. Reproduzo abaixo a opinião de Jochen Bittner, editor político do semanário alemão Die Zeit:
“Assim como quando ocorreu a desintegração da Iugoslávia, a população da Crimeia está sendo obrigada hoje a escolher fidelidades nacionais. Apesar de estar claro desde o começo que o chamado referendo só poderia resultar na união com a Rússia, a paixão com que pró-russos e pró-ucranianos têm argumentado sobre suas posições surpreendeu a ambos os lados. Estamos assistindo na Crimeia – e também na região leste da Ucrânia, onde pró-russos passaram a reclamar seus próprios referendos – à ascensão de duas nações dentro de um único Estado”.
O que Biter quer dizer é que há riscos reais de secessão da integralidade do território ucraniano. Ou seja, as populações do país podem decidir, aos poucos ou de uma vez só, criar seus próprios Estados tendo como base suas identidades nacionais. Isso pode levar à construção de novas fronteiras não apenas no que hoje é a Ucrânia, mas também em boa parte da Europa oriental. E, claro, as potências ocidentais – UE e EUA – não vão ficar de plateia neste processo. A Rússia já deixou muito claro que está disposta a defender seus próprios interesses nacionais, tendo como prerrogativa básica a ideia de encampar as populações que se identificarem como parte da nação russa.
3 comentários:
E ai Henry?
Parabens pelo blog. Acho que ele esta ficando cada cez melhor! Nao se trata aqui de rasgação de seda. É que sempre é bom, mas este post esta realmente espetacular!
Neste sentido, posso te pedir uma coisa? Sera que voce poderia escrever mais alguns posts desenvolvendo melhor o que voce ve como a estrategia da Russia?
Bem, eu confesso que nao estou entendendo nada e o que voce disse foi a primeira coisa que fez algum sentido para mim ...
abs
Eduardo
Grande Eduardo. Como você está, irmão?
Obrigado pelas palavras. Vou continuar a escrever sobre este assunto, pode apostar.
Um abração e novamente obrigado,
Henry
O melhor caminho para entender a situação é fazer uma montagem de mapas desde o século dezessete e verificar o que aconteceu. A Ucrânia atual é um Estado que engloba muitas nações. Suas fronteiras são artificiais. Aqui quero mencionar apenas a traição em Ialta na Criméia pelos líderes ocidentais, particularmente o Churchill, diante de Stalin, entregando grande porção do território historicamente polonês, incluindo uma das cidades mais queridas e pela qual muito sangue polaco fora derramado, Lwów. Minha previsão é que a Ucrânia irá se esfacelar em três ou mesmo quatro novos estados.
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