No meio de tantas notícias e, claro, da Copa do Mundo, pouca gente se lembrou de uma outra grande empreitada brasileira: neste domingo, a intervenção militar do país no Haiti completa dez anos. Longe de ser unanimidade, a ideia foi colocada em prática durante o governo Lula, cujo interesse internacional era bastante superior ao da presidente Dilma.
Claramente, desde que Lula deixou a presidência, o Brasil arrefeceu seus ímpetos no jogo político externo. Por algumas razões, mas, principalmente, porque alcançar protagonismo geopolítico era um projeto mais de Lula, menos de Dilma. Bem menos. Pouca gente pode estar lembrada, mas tratei bastante disso por aqui. Em maio de 2010, o Brasil chegou mesmo a alcançar um acordo com os iranianos sobre a produção de urânio enriquecido – assunto ainda problemático devido às suspeitas das pretensões de Teerã de produzir armamento atômico.
Hoje, Dilma privilegia as questões econômicas e o PAC, por exemplo. Mas as tropas permanecem no Haiti, na liderança da chamada Minustah (Mission des Nations Unies pour la stabilisation en Haïti). Mas, apesar do enorme capital de simpatia do qual o Brasil usufrui pelo mundo, a presença dos soldados brasileiros em território haitiano está longe de ser unanimidade. O pesquisador haitiano Franck Seguy concluiu seu doutorado na Unicamp e classifica a ideia de pacificação do país como uma artificialidade.
“Não, o Haiti nunca precisou de missão de paz, nunca teve guerra”, diz. E compara a situação com a guerra pelo poder entre traficantes nas favelas brasileiras: “esses conflitos existem e justificam muitas coisas, mas não dá para dizer que o Brasil esteja em guerra e precise ser pacificado”, declara em entrevista ao jornal da Unicamp.
Pois é. Escrevi tudo isso como forma de mostrar a ilusão quanto à possibilidade de dividir os países entre heróis e vilões. Países não são pessoas, mas comandados por pessoas cujo principal objetivo é alcançar vitórias estratégicas. Em 2004, a direção do Estado brasileiro considerou a ideia de intervenção militar no Haiti como forma de aumentar seu capital internacional na área de defesa e segurança. O propósito maior disso era, como se sabe, diversificar os pilares do país em sua busca por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Se este caminho foi certo ou errado, é somente uma questão de perspectiva. Dez anos depois, os soldados ainda estão por lá.