terça-feira, 13 de outubro de 2009

Gás pela goela abaixo

Por tabela e totalmente ao acaso, parece que a Rússia entendeu como deve funcionar o sistema de alianças internacionais neste novo cenário que se apresenta. Ainda com Europa e Estados Unidos começando a pôr a cabeça do lado de fora da crise financeira, Moscou parte para o estabelecimento de parcerias baseadas em uma de suas maiores fontes energéticas: o gás. Foi isso que a imprensa internacional noticiou hoje.

Em encontro com o primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, Vladimir Putin assinou uma carta de intenção que prevê o fornecimento de cerca de 70 bilhões de metros cúbicos de gás russo para a China. O acordo deve ser concretizado entre as estatais Gazprom e a China National Petroleum Corp.

Quem se assusta só de ouvir falar nisso é a Europa, temerosa de que, mais uma vez, Moscou decida usar seus recursos naturais como massa de manobra para as recorrentes chantagens políticas.

E não é pra menos. Até porque o gás não permite à Rússia o estabelecimento de uma aliança somente com a China. Um novo projeto que levará o recurso para a Alemanha já está em estudo e orçado em 10,7 bilhões de dólares. A novidade é que, desta vez, os países do leste europeu não serão beneficiados pela obra – a construção vai ser subaquática e os dutos sairão diretamente de Vyborg, na Rússia, para Greifswald, na Alemanha.

A estratégia é mais uma vez punir os ex-aliados do antigo bloco comunista, enquanto aumenta a dependência dos europeus ocidentais ao abundante recurso russo. Para se ter ideia, hoje a Gazprom é responsável pelo fornecimento de 28% do gás natural consumido na Europa.

O interessante é perceber a contradição do Kremlin. Em matéria publicada na edição de hoje do New York Times, o porta-voz da Gazprom disse que a obra é meramente comercial, não estratégica. Mas Putin, na China, adotou um discurso completamente diferente:

“Nossa visão comum sobre certos assuntos e nossa habilidade de coordenar posições sempre permitem acalmar a situação e exercer um papel de estabilização”, disse.

Por mais estranha que a frase seja – até porque não vejo a Rússia estabilizando qualquer coisa, pelo contrário –, Putin admite que faz política com a venda ou distribuição do gás. Até aí, nada de novo, os países agem assim mesmo. Mas, ora, a premissa valeria para a China mas não para a Europa?

Com este tipo de contradição, Moscou apenas continua a revelar como imagina as relações internacionais no pós-crise: continuará a chantagear principalmente os europeus por meio de seus recursos.

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