No último texto, escrevi sobre a manifestação do Brasil Virtual durante a campanha eleitoral. Para encerrar por ora o assunto, queria abordar rapidamente um dos aspectos mais criticados pelos militantes virtuais: o Bolsa Família.
Em primeiro lugar, queria dizer que considero importante examinar com rigor o cadastro dos beneficiados. Esta é uma atribuição das prefeituras. Há muita reclamação sobre beneficiários cadastrados indevidamente, pessoas que já têm renda e não precisariam receber o complemento do programa. Essas situações devem ser investigadas. Um programa social como o Bolsa Família precisa, claro, contemplar quem de fato necessita desta renda para viver.
Dito isso, quero abordar um dos lugares-comuns mais repetidos durante as manifestações virtuais: a ideia de que o Bolsa Família não deveria existir porque “cada um deve correr atrás” de seu sustento e sobrevivência. Acho importante fazer um exame sobre este ponto específico.
Para isso, vou contar uma parte de minha própria história de vida. Sou filho da classe média baixa e urbana do Centro-Sul brasileiro. Do Rio de Janeiro, mais especificamente. Meus pais são profissionais liberais. Meu pai, técnico em eletrônica; minha mãe, professora primária. Graças a seus esforços – e, para ser justo, graças à abnegação de minha mãe – tive uma boa educação formal. Estudei numa boa escola, fiz cursos de idiomas, cursei ensino superior e pós-graduação. E aí digo com a maior tranquilidade: isso não é correr atrás. O que fiz simplesmente foi estudar e ler muito. Isso é aproveitar as oportunidades que a vida e os esforços dos meus pais – e da minha mãe, principalmente – me proporcionaram.
A minha história tem muito a ver com as oportunidades que o Brasil historicamente nega a muitos de seus cidadãos. Se eu não tivesse nascido numa família de classe média urbana, certamente não teria tido acesso às oportunidades educacionais que tive. Repito o que escrevi acima; isso não é “correr atrás”, pelo menos não no sentido acusatório usado pelos detratores do Bolsa Família durante a campanha eleitoral.
Se eu tivesse nascido no sertão de Alagoas, Pernambuco ou no Vale do Jequitinhonha (uma das regiões mais pobres do Brasil), certamente não teria conseguido dar os passos educacionais tão naturais à classe média urbana do Centro-Sul do país.
Expus parte da minha história de vida porque sei que este exemplo se assemelha a tantos outros – inclusive de quem se orgulha de ter “corrido atrás”. Ignorar voluntariamente que o Brasil não é um país justo e que oferece as mesmas oportunidades a seus cidadãos (independente do lugar onde nasceram) distorce o debate de ideias. E, em muitos casos, parece que foi justamente isso o que aconteceu quando se discutiu o Bolsa Família, um dos alvos prioritários da militância virtual.