Mais além da morte de Kim Jong-il está um dos confrontos silenciosos mais importantes do mundo de nossos dias: a batalha retórica entre China e EUA. Aliás, nem tão retórica assim. Os dois países respondem pelas duas maiores economias do planeta e competem não apenas por influência – esta é uma questão menos relevante aos chineses, mais preocupados com mercados do que com simpatizantes –, mas pela posição de liderança no ranking econômico internacional.
Antes de entrar no mérito de como a Coreia do Norte é sujeito desta história, uma pequena explicação que considero fundamental: sou adepto da teoria de George Friedman, fundador e presidente do Stratfor, o principal instituto privado de análise política dos EUA. Grande parte dos estudiosos e mesmo a imprensa costumam ignorar o papel do comércio no jogo geopolítico. Pode parecer discurso do século 18, mas não é. Escoar produção ainda continua a ser peça-chave de nossos tempos. E, para isso, é preciso ter acesso ao mar. E ninguém supera até hoje os americanos em seu privilegiado posicionamento geográfico que permite controlar o Atlântico e o Pacífico – e, além disso, as empreitadas militares e políticas ainda deram aos americanos a capacidade de manter presença no Golfo Pérsico, principal centro exportador de petróleo.
O problema deste início de século 21 é que o centro do comércio mundial está mudando. Com a China à frente da economia, a Ásia passou à região estratégica também sob o ponto de vista comercial. E quem controla o Mar da China? Esta grande movimentação representa uma ameaça à soberania comercial americana, justamente num momento de profunda crise. Por isso os EUA têm buscado reforçar suas posições na região. Em novembro passado, o presidente Obama fez visita oficial aos aliados na Ásia. Algumas das decisões anunciadas neste giro regional são o envio de 2,5 mil marines para a Austrália, o fortalecimento da cooperação militar com as Filipinas e o deslocamento de navios de combate a Cingapura. Está claro o que isso significa, certo?
Agora sim, de volta à Coreia do Norte. O vácuo deixado por Kim Jong-il deve ser observado dentro deste contexto. Como escrevi na segunda-feira, a morte do “Querido Líder” é um evento ainda inconcluso. Ou seja, as correntes de interpretação levantam a bola em duas direções opostas: oportunidade de abertura ou aprofundamento do regime de silêncio, paranoia e espionagem interna. Sinceramente, acredito que a balança tende mais à segunda possibilidade. Isso porque a China tem muito interesse nisso. E é, de fato, a única com algum poder de influência sobre Pyongyang. Os chineses são responsáveis por 90% do investimento no país e respondem por 80% do comércio da Coreia do Norte. Na prática, são os únicos que estão com os pés por lá.
Ex-diretor para assuntos asiáticos da Casa Branca, Victor Cha extrapola e cogita, inclusive, a possibilidade de a China anexar a Coreia do Norte, tornando-a mais uma de suas províncias. Não me arrisco nesta previsão, mas acredito mesmo que Beijing se fará ainda mais presente no país –
menos por interesses humanitários e econômicos e mais para evitar qualquer presença ostensiva americana. Por falar nisso, não duvidem que esta janela de oportunidade para reforçar os laços asiáticos de Washington se aprofunde nos próximos meses. E este discurso da Casa Branca pode passar a assumir contornos mais concretos de duas maneiras: defendendo a reunificação das Coreias – sob liderança dos governantes da Coreia do Sul, claro – ou defendendo uma intervenção militar por conta das frustradas negociações em torno do programa nuclear norte-coreano (considero esta possibilidade a mais remota).
Um comentário:
E Pyongyang pensa como?
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