A situação cada vez mais deteriorada na Síria é importante do ponto de vista regional e global. Ela também explica em boa parte a ascensão de um ator mundial que dia a dia assume status de crescente influência: a Turquia. O governo de Ancara talvez seja um dos principais beneficiados da Primavera Árabe, mesmo que o movimento não se consuma sobre os pilares dos sonhos ocidentais.
A Turquia mantinha uma política externa que parecia muito clara: forjou alianças com os atores islâmicos de poder (Síria e Irã) na tentativa de obter popularidade entre a população islâmica. Afinal de contas, Ancara era um governo aliado às ambições de “libertação” contra as muitas tentativas de presença ocidental no Oriente Médio e, ao mesmo tempo, usufruía de condições únicas (como já listei algumas vezes por aqui); assento na Otan, economia de mercado relevante e que mantém índices de crescimento bastante consideráveis mesmo nesses tempos de crise e, finalmente, um sistema político que conjuga islamismo e democracia. A Turquia é popular graças ao primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan, mas também porque conseguiu se estabelecer como a representação oficial dos muçulmanos junto ao Ocidente. E, principalmente, uma representação que sabe jogar pesado quando necessário, que não se curva diante das pressões.
Este discurso é muito poderoso e as autoridades turcas sabem fazer uso dele com muita habilidade. A repressão que Bashar Assad coordena aos manifestantes antirregime desde março acabou por mudar um pouco a linha de raciocínio da cúpula política de Ancara. Os turcos adaptaram parte de sua estratégia; “o grande pai dos islâmicos” que patrocinou a Frota da Liberdade, por exemplo, passou a incluir a proteção à população muçulmana também quando ela é vítima de seus próprios governantes. A Turquia precisou ser flexível e foi bastante perspicaz ao entender rapidamente as mensagens das ruas árabes durante as manifestações populares.
Assim, no lugar de simplesmente ser parte do eixo político contestador, o país deixa claro que se transformou num ator independente que não mantém necessariamente vínculos com os Estados muçulmanos, mas com a população comum muçulmana. Este foi o pulo do gato de Erdogan. E por isso rompeu com o presidente sírio Bashar al-Assad. Esta estratégia tem se mostrado vitoriosa de uma maneira muito rara. Hoje, a Turquia é admirada pelos cidadãos comuns dos países islâmicos, mas também é reconhecida pelo Ocidente. EUA e União Europeia enxergam em Erdgoan e em seu governo uma ponte para o Oriente. Este é o melhor dos cenários porque coloca a Turquia na posição privilegiada de superestado, quase uma entidade a representar justiça e bom-senso na região mais conturbada do planeta.
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