Novamente, o Egito se aproxima de uma nova convulsão
política. Apesar de não ter sido o palco do início da Primavera Árabe – o primeiro
episódio de revolução popular aconteceu na Tunísia –, o país acabou marcado
como o centro desta busca por uma nova ordem social e política. Ou, para ser
mais preciso, o ponto mais importante de um breve instante árabe onde um
movimento popular, espontâneo e sem uma liderança específica pretendia
construir um novo pacto. Fundamentalmente, os egípcios foram às ruas porque
queriam uma nova realidade que lhes desse emprego e perspectivas concretas do
estabelecimento de um futuro melhor.
Todo este processo pegou o mundo todo de surpresa e deixou países
importantes do Ocidente em situação constrangedora. Todos os atores mundiais do
lado de cá do planeta estavam alinhados ao ditador Hosni Mubarak. Como escrevi
tantas vezes, por uma razão bastante simples: política é constituída
basicamente de pragmatismo, por mais que, pragmaticamente, diga-se de passagem,
os líderes internacionais queiram dar roupagem moral ao que dizem e fazem. A
Primavera Árabe foi, na prática, uma contestação nacional às diretrizes
históricas das relações mantidas com o ex-presidente egípcio Hosni Mubarak.
Agora, pouco tempo depois de tudo isso, a Irmandade Muçulmana
está no poder. Questionada internacionalmente por suas raízes islâmicas e seu
discurso radical que ameaçava a mínima ordem regional, o receio de boa parte
dos líderes ocidentais ao movimento começou a ser descontruído na semana
passada. Graças à atuação direta do presidente egípcio Mohamed Mursi, da
Irmandade Muçulmana, o também movimento islâmico Hamas (oriundo de seu “pai”
ideológico no Egito) e o Estado de Israel aceitaram o cessar-fogo que pôs fim a
oito dias de guerra aberta em Gaza e no sul do território israelense. Os
temores quanto às perspectivas de o maior país árabe do mundo ser comandado
pela Irmandade Muçulmana começavam a ser acalmados.
Mas no dia seguinte a este gesto que mostrava tamanho pragmatismo,
Mursi pôs novamente os egípcios na praça Tahrir. Demitiu o procurador-geral, destituiu
os poderes do Judiciário e declarou que toda decisão do presidente está imune a
quaisquer questionamentos legais. Isso tudo acontece no momento em que o país
discute a redação de uma nova constituição que irá definir, entre outros
assuntos, o papel que a religião terá na realidade política e no dia a dia.
Segundo Mursi, a decisão atual é necessária para que a constituição seja
concluída.
No entanto, é bom fazer o seguinte esclarecimento de forma a
compreender porque a Irmandade Muçulmana foi a grande vencedora nas eleições presidenciais;
durante os mais de 30 anos de governo Mubarak, o grupo se estabeleceu como única
oposição organizada ao governo, apesar de clandestina. É até natural que tenha
vencido com folga durante a realização da primeira disputa política
democrática. Se a decisão de Mursi soa simplesmente como antidemocrática – e é por
isso que as pessoas estão cobrando publicamente no Cairo –, é importante deixar
claro que o presidente egípcio destituiu juízes que, em boa parte, foram
indicados ao cargo ainda durante o regime de Hosni Mubarak.
Não me parece que o atual presidente queira tomar o poder
para si, mas garantir a redação da constituição. E considero este o ponto mais relevante;
o conteúdo da futura nova carta magna do maior país árabe do mundo, um dos
pilares fundamentais do Oriente Médio. É isso o que está em jogo a partir de
agora.
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