segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Por que a guerra atual interessa demais ao Hamas


No último post, comentei sobre as muitas formas como a atual guerra entre Israel e o Hamas se relaciona com o jogo geopolítico regional. Mas é importante lembrar também que as duas partes estão muito interessadas em se promover internamente. É bem possível, inclusive, que o Hamas tenha provocado a crise atual em função de suas muitas derrotas internas – causadas também, é claro, pelo parcial, mas representativo, sucesso da Primavera Árabe no Egito. 

Desde a última guerra entre israelenses e palestinos em Gaza, entre dezembro de 2008 e janeiro de 2009, o Hamas aceitou o cessar-fogo que impedia o grupo de lançar novos mísseis sobre o sul do território de Israel. Apesar disso, no entanto, outros grupos radicais palestinos, como a Jihad Islâmica, continuaram a efetuar disparos. Muitas vezes, no entanto, esses grupos foram cerceados pelo Hamas, autoridade máxima sobre Gaza desde a expulsão – pelos próprios membros do Hamas – do Fatah (grupo que compõe majoritariamente a Autoridade Palestina), em 2007. Até agora, por mais que o Hamas fechasse um olho para os demais grupos radicais que atuavam em Gaza, a manutenção do cessar-fogo era de seu interesse. Era. 

A visão estratégica do Hamas mudou em virtude de alguns fatores: o primeiro deles foi a eleição da Irmandade Muçulmana para a presidência do Egito. O grupo radical e clandestino durante as três décadas de governo Mubarak passou a autoridade máxima e oficial egípcia, como escrevi no último texto. As esperanças do Hamas se renovaram, afinal tratava-se da facção originária do próprio Hamas, que, nos últimos 30 anos, se opôs ao regime de Hosni Mubarak e, portanto, a todos os compromissos assumidos pelo presidente egípcio deposto: alianças com os EUA, manutenção dos acordos de paz com Israel, vigilância na fronteira entre o Egito e Gaza, repressão ao tráfico de armamentos do território egípcio ao palestino. O Hamas acreditou que tudo iria mudar a partir da presidência de Mohamed Mursi, membro da Irmandade Muçulmana. 

No entanto, nada disso aconteceu. Muito pelo contrário. Mursi manteve os acordos de paz com Israel – até agora – e também a vigilância sobre Gaza, a rigidez no controle de entrada e saída do território, a aliança com Washington, a cooperação militar com os israelenses para controlar o tráfico e a movimentação no deserto do Sinai e ainda impediu sempre que pôde a construção de túneis por onde passam bens e armas para o interior do território palestino. Para piorar o isolamento do Hamas, seus adversários internos ganhavam cada vez mais: no território, a manutenção do cessar-fogo era vista como capitulação, dando ainda mais moral para outros grupos radicais que agem em Gaza. Já na Cisjordânia, o presidente Mahmoud Abbas – do Fatah e chefe máximo da Autoridade Palestina – prepara-se para conseguir que a ONU conceda à Palestina o status de “observador”. Ou seja, o Hamas perdia de dois lados: no político, seu ponto fraco, e no militar, perfil original do grupo e seu modo tradicional de agir. 

Por tudo isso, o Hamas considerou que havia chegado a hora de mudar de estratégia, aliando-se aos demais grupos que lançaram ao longo de todo este ano mais de mil mísseis sobre Israel e colocando em uso as armas presenteadas por seu Estado-patrocinador, o Irã. Até o momento, parece-me que a decisão do Hamas foi vitoriosa, sob o ponto de vista de seus objetivos internos e externos. As imagens de israelenses indo ao chão em Tel Aviv para se proteger dos mísseis fazem sucesso junto ao público interno. Tanto que, neste final de semana, numa passeata na Cisjordânia – território do Fatah, grupo rival ao Hamas – as bandeiras verdes do Hamas eram preponderantes às amarelas, do Fatah. Do ponto de vista mais amplo, a atual ofensiva pôs lado a lado os primeiros-ministros egípcio e do próprio Hamas, mais uma vitória importante. Como de costume, quem perde com todo este jogo político são os civis inocentes, que pagam com suas vidas. 

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