quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Guerra em Gaza: os significados do cessar-fogo


Finalmente, o cessar-fogo entre Hamas e Israel foi anunciado. Sob muita pressão internacional, o aparente concerto de forças foi obtido graças ao pragmatismo de todas as partes envolvidas. No Oriente Médio, pragmatismo pode ser interpretado como uma enorme evolução. No entanto, é bom deixar claro que esta guerra aconteceu por conta de objetivos estratégicos de todas as lideranças regionais e internacionais. Em meu último texto, comentei sobre os ganhos políticos do Hamas. Para reforçar, acho importante dizer que esses ganhos imateriais foram bem superiores às perdas físicas, ou seja, à estrutura do grupo radical destruída pelos israelenses nos últimos oito dias. 

Na foto, os termos acordados no cessar-fogo

Pode-se dizer que este acordo bastante simples mediado por EUA e Egito representa o que chamo de negociação ganha-ganha-ganha-ganha. Isso mesmo; há quatro atores vitoriosos neste teatro político. Repito: os principais perdedores, como de costume, são os mortos e as famílias do que pereceram em nome desses ganhos estratégicos. Como já tratei das conquistas do Hamas, vamos aos fatos e aos demais vitoriosos a partir deste cessar-fogo:

Benjamin Netanyahu pôde conquistar uma vitória importante; se de fato os grupos radicais palestinos de Gaza segurarem o ímpeto de lançar mísseis sobre o sul de Israel, Bibi não deve ter dificuldades para ganhar as eleições do próximo dia 22 de janeiro. Com a sensação de tranquilidade, ele vai usar a lembrança do conflito recente como uma reafirmação de suas capacidades como liderança política, alcançando esta ilusória paz numa região que nos últimos anos se acostumou a viver sob as constantes ameaças dos mísseis. Ao mesmo tempo, ao agradecer aos esforços dos EUA e creditar a Washington a articulação deste “acordo”, procura restabelecer os laços estremecidos com o presidente Barack Obama, uma vez que as relações entre o presidente americano e o primeiro-ministro israelense foram as piores possíveis nos últimos quatro anos. Com Obama reeleito, Netanyahu precisava encontrar uma maneira de retomar o caminho que leve a um melhor entendimento entre Jerusalém e Washington. Até porque as possibilidades de o líder israelense permanecer no cargo são grandes. E, só para lembrar, estamos falando de um primeiro-ministro que deixou bem claro que o Irã deve ultrapassar a “linha vermelha” na primavera de 2013 – entre março e junho do ano que vem. Não dá para abrir mão do apoio americano neste cenário. 

Obama precisava mostrar serviço no conflito árabe-israelense, e no conflito palestino-israelense, especificamente. Alcançou ambos de uma só vez. O “acordo” atual foi mediado pelo Egito pós-Primavera Árabe. Estamos falando do Egito comandado pela Irmandade Muçulmana, grupo que durante as três décadas de governo Hosni Mubarak permaneceu clandestino. Tempo bastante para servir de inspiração a um grupo palestino em Gaza, que acabou criando o Hamas. Ao exigir dos egípcios membros da Irmandade Muçulmana uma postura pragmática, a Casa Branca, de certa maneira, dá ao grupo o molde que lhe convinha, fazendo-o reconhecer Israel e os acordos (e agora sem aspas) de paz firmados por israelenses e palestinos em 1979. Por sua vez, o Egito se livrou de um grande problema. Articulando o acordo e deixando claro que se solidarizava com as perdas palestinas, não precisou “trair” sua origem. Ao mesmo tempo, conseguiu se safar de uma custosa saia-justa internacional. Mergulhar no radicalismo certamente mergulharia o país no isolamento. E isso significaria perder aliados e dinheiro, claro. 

No final disso tudo, Israel e Hamas se reconheceram mutuamente ao longo desta guerra e, principalmente, ao acatarem este cessar-fogo. Se isso já havia sido feito em 2009, agora está ainda mais explícito, principalmente porque autoridades de alto escalão de Israel admitiram que estavam em conversações com o Hamas. Se por um lado todo este pragmatismo soa como evolução, como escrevi, há no meio de tantos vitoriosos um perdedor importantíssimo: a Autoridade Palestina, relegada à Cisjordânia. Muito mais pragmática e certamente menos radical do que o Hamas, a instituição atravessa seu pior momento. Principalmente porque um dos termos deste acordo prevê que, 24 horas depois que ele entrar em vigor, as partes – Israel e o Hamas – se comprometem a debater a flexibilização do bloqueio a Gaza e a livre movimentação de bens e pessoas. Ou seja, em oito dias de violência, o grupo radical ganhou mais do que a AP. E se, obviamente, um cessar-fogo é algo muito bom, a mensagem que este conflito deixa para a Autoridade Palestina é muito ruim. 

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