A ideia de capturar um soldado israelense e quebrar o cessar-fogo de três dias logo em sua primeira hora é um tiro no pé do Hamas. Com estrutura ramificada, é possível que a ala política do grupo palestino também tenha sido surpreendida pelo ataque da ala militar. O fato é que o sequestro do soldado de Israel certamente é prejudicial à estratégia mais ampla e, principalmente, aos civis de Gaza, considerando que o cessar-fogo de 72 horas tinha como objetivo básico o reabastecimento de suprimentos (remédios e comida) no território.
Tudo isso foi jogado para o alto com a decisão do sequestro. Se o ato, isoladamente, poderia atender às demandas militares do grupo, por outro, enfraquece sua posição como entidade não-estatal. Sob o ponto de vista estritamente militar, parece ter sido uma tentativa de repetir o modelo adotado em 2006, quando o soldado Gilad Shalit foi capturado dentro das fronteiras de Israel. Para tê-lo de volta, as autoridades do Estado judeu aceitaram libertar 1.027 prisioneiros palestinos.
O problema disso é que a ala militar do Hamas não tem capacidade de enxergar os problemas geopolíticos do Oriente Médio (isso se levarmos em consideração que o sequestro foi um ato isolado e desconhecido mesmo pela ala política). Como escrevi algumas vezes, as alianças na região estão mais polarizadas entre os dois eixos (sunita e xiita), mas a situação não anda lá muito boa para o Hamas. Leia mais sobre a divisão regional aqui.
O conflito com Israel e a decisão de se aliar aos opositores de Bashar al-Assad na Síria contribuíram para seu enfraquecimento. Possivelmente, o grupo conta hoje somente com as alianças de Qatar e Turquia. Mesmo assim, os dois países precisam ser discretos em seu relacionamento com o Hamas, uma vez que, eles próprios, são Estados nacionais constituídos e têm seus próprios compromissos. Não podem enviar armamento ou grandes somas de dinheiro sem colocar em risco suas posições e interesses diante da comunidade internacional.
Ao tomar a decisão de sequestrar o soldado israelense, o Hamas violou um cessar-fogo arduamente articulado por EUA e ONU, mas também por seus dois principais aliados – que neste momento certamente estão sendo cobrados pelo ato. Qatar e Turquia não estão satisfeitos. Para complicar ainda mais, o sequestro fortalece o discurso do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, quanto à necessidade de aumentar a ofensiva até que todos os túneis clandestinos sejam destruídos.
No final das contas, o Hamas conseguiu obter um soldado para tentar trocá-lo por prisioneiros. Mas diante de tantos prejuízos que estão por vir, o grupo tem mais a perder do que ganhar.
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