terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Brasil, processo de paz no Oriente Médio e o senso de oportunidade do presidente palestino

O ex-presidente americano Jimmy Carter concedeu entrevista à Folha de São Paulo nesta semana. Dentre outros assuntos, comentou sobre o processo de paz no Oriente Médio. Talvez por falar com um jornal brasileiro, talvez por uma ponta de convicção, disse acreditar que o Brasil pode participar das negociações - até mesmo como protagonista. "O Brasil pode ajudar porque tem muita influência entre os países em desenvolvimento. Pode ser um dos líderes deste processo", disse.

Acho que há um tanto de confete na declaração. Mas não se pode negar que esta primeira década do século 21 mudou a ordem mundial significativamente. E este não é um fenômeno visto somente do ponto de vista da diplomacia brasileira. A atual situação de impasse no Oriente Médio reflete a perspectiva - altamente favorável aos palestinos - de que a hegemonia americana sobre as conversações está ruindo a cada dia.

Tal mudança não se deve apenas a este novo mundo que se consolida, mas às articulações. Acredito que o acaso está presente em boa parte da existência humana. A política não fica de fora, claro. Se hoje há um governo mais liberal na Casa Branca, Benjamin Netanyahu e uma aliança de partidos conservadores determinam os rumos da política israelense. A incongruência desses elementos gera inevitável frustração. E não poderia ser diferente, uma vez que as perspectivas das partes são completamente distintas.

O impasse entre EUA e Israel é interpretado como oportunidade pela Autoridade Palestina, assim como pelo Brasil. O presidente Mahmoud Abbas decidiu agir com inteligência e usar todo o poder de relações públicas. Neste domingo, recebeu em Ramallah parlamentares de Israel para pedir apoio. No foco do evento está a demanda da AP ao encerramento dos assentamentos e o projeto político que pretende declarar a independência palestina até agosto do ano que vem.
"Tal diplomacia pessoal encontra poderoso precedente na visita do ex-presidente egípcio Anwar Saddat, em 1977, a Jerusalém, que ajudou a angariar apoio público em Israel para as concessões territoriais que levaram aos acordos de paz de Camp David, em 1979, entre Israel e Egito", lembra o Christian Science Monitor.


Nunca é demais dizer que a assinatura do acordo de paz custou a vida a Sadat, morto posteriormente por radicais islâmicos. No caso do presidente Abbas, a situação é um pouco diferente. Ele não tem nada a perder. O Hamas já não o considera como o líder legitimo palestino e seu governo se restringe à Cisjordânia. Se não fizer nada, ele já não conta com a aprovação dos radicais em Gaza e tampouco com a solidariedade ou o respeito do Hezbollah, no Líbano, e do Irã. Portanto, é melhor procurar os pacifistas israelenses - que ao menos estão dispostos a ouvi-lo e sabem que é preferível se sentar com um presidente que manda pouco a não ter ninguém para dialogar.


Enquanto isso, Abbas tem o tempo a seu lado, de certa maneira. Quanto mais desgastada for a relação entre EUA e Israel, mais espaço haverá para novos atores - a maioria deles, como o Brasil, por exemplo, mostram-se bastante dispostos a criticar os israelenses.

Um comentário:

Bruno Ruivo disse...

O Brasil poderia desempenhar um papel importante no processo de paz entre Israel e os palestinos, mas o nosso protagonismo no cenário internacional não pode queimar etapas. Uma das nossas miragens mais amargas foi a tentativa de entrar para o Conselho de Segurança da ONU como membro permanente. Os cinco membros permanentes são os cinco países que mais exportam armas. Se o Brasil fosse o sexto, sua entrada como membro permanente seria inevitável. Países que não produzem tecnologia não são países seguros. Pro Brasil ser protagonista no Processo de Paz do Oriente Médio ele precisa abrir mão de ser protagonista em outros imbróglios: em se tratando de uma contenda tão delicada, as partes envolvidas aceitam qualquer desculpa para recusar ingerência externa, ainda mais os falcões-urubus do Regime Netanyahu. Qualquer posição que o Brasil quiser tomar em qualquer assunto pode servir de pretexto para recusá-lo como mediador. Casos como a escolha de um diplomata egípcio de pouca simpatia pelos judeus para um cargo na UNESCO, por exemplo, é um pepino dos mais óbvios..e se pra recusar ingerência os governos inventam pepino até onde não tem, a posição do Brasil é pra lá de temerária. Uma qualificação o Brasil realmente tem: protagonismo entre os sub-desenvolvidos, como foi dito. A outra: é um país com grandes colônias árabe e judaica, que coexistem muito bem. Falta-nos outras qualidades que só seriam compensadas com uma política interna e externa das mais exuberantes. Se isso acontecer no governo Dilma, vai chover canivete.