Em todo este imbróglio em torno do WikiLeaks há um tanto de transposição das fantasias ocidentais de destruir seus próprios ícones econômicos. A sociedade do consumo sempre foi alvo de admiração e horror. O que acontece neste momento serve também para lembrar que a intervenção fundamentalista oriental - cujo paralelo exacerbado foi a destruição de um dos mais óbvios símbolos capitalistas, em 2001 - nunca foi necessária. O debate em torno dos valores ocidentais é realizado mesmo no coração da sociedade que os aprova, consome e reprova com a mesma intensidade.
O vazamento que causa tamanha polêmica é superdimensionado pelas circunstâncias. Não há dúvidas quanto ao conteúdo das informações, mas a verdade é que elas apenas formalizam o que todo mundo já sabia. Por exemplo, alguém duvidava das impressões americanas sobre Berlusconi ou Putin? Quem já não sabia que Israel se preocupa com o programa nuclear iraniano? Ou que os EUA têm conhecimento sobre o repasse de armamento da Síria para o Hezbollah?
Acho que talvez mais importante do que tudo isso seja perceber que a sociedade ocidental está insatisfeita com seus próprios resultados. O WikiLeaks é veículo da manifestação deste descontentamento. Nunca é exagerado lembrar que toda esta confusão acontece exatamente no meio do furacão de restrições, greves e diminuição de benefícios econômicos aos cidadãos comuns da maior parte dos países europeus.
O caso envolvendo Julian Assange é um cigarro aceso numa banheira de gasolina. Não é mero acaso que os ativistas digitais tenham escolhido como alvos preferenciais os maiores símbolos deste novo mundo cibernético: portais de Visa e Mastercard e, de acordo com especulações, a Amazon seria a próxima da lista. Como retrato deste momento, é importante dizer que o "Anonymous" - grupo que comprou a briga do WikiLeaks e se responsabiliza pelos ataques virtuais - foi organizado num fórum da internet. Seus membros descrevem o australiano fundador do portal como um "mártir da liberdade de expressão" - juro que não li esta entrevista antes de escrever o texto de ontem.
Os acontecimentos desses dias são especiais. Podem mudar a forma de reivindicação e mostram uma grande disposição de se colocar em prática elementos da ficção. Em 1999, o diretor David Fincher lançou o longa-metragem Clube da Luta. Acho que vale a pena assistir ao filme novamente. Em certo momento, a organização clandestina liderada por Tyler Durden decide explodir as sedes de grandes bancos e cartões de crédito. Assange já disse que suas próximas revelações serão capazes de pôr no foco da justiça alguns grandes bancos. Seus admiradores já derrubaram os portais das duas maiores empresas de cartões de crédito do mundo. Não se trata de crendice, mas de perceber as semelhanças.
Colunista da Vanity Fair e da Slate Magazine, Christopher Hitchens mostra um olhar crítico a Tyler Durden. Ou a Julian Assange, não faz muita diferença. Em meio a tantos acontecimentos, ele propõe uma reflexão interessante sobre o homem que tem sido o responsável pela exposição dos segredos da maior potência mundial.
"A astúcia da estratégia montada por Julian Assange é que ele fez com que todo mundo se tornasse cúmplice de sua decisão pessoal de tentar sabotar a política externa americana. Em suas fantasias, ele se vê provavelmente como uma espécie de guerrilheiro, mas no mundo real é apenas alguém que se ressente da civilização que o criou", escreve.
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