O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, parece um estadista. Ele tem ótima formação (com direito a diplomas de MIT e Harvard), fala inglês fluentemente e se porta com educação e assertividade. Talvez esses sejam alguns dos elementos que deem a ele este verniz. O problema é que há muita diferença estre este aparato até certo ponto estético e a vida prática de um estadista. Quando alguém se propõe a liderar países e povos deve ter em mente objetivos estratégicos capazes de assegurar uma boa perspectiva de futuro. Este era o caso, por exemplo, do primeiro primeiro-ministro de Israel, David Ben Gurion, e até do controverso Ariel Sharon.
Ben Gurion queria estabelecer o Estado Judeu. Era diplomático e tinha em mente a urgência da criação de um lar nacional judaico, mesmo que, após a partilha da Palestina histórica em 1947, aos judeus coubesse uma porção de terra mínima e, em sua maior parte, desértica. Já Sharon entendeu a necessidade de abandonar Gaza e causou uma confusão interna em Israel quando botou pé firme quanto à importância de desativar os assentamentos no território. Sharon e Ben Gurion eram figuras que possivelmente divergiriam completamente sobre a maior parte dos assuntos. Mas ambos tinham em mente não apenas a segurança do país que governavam, mas também um projeto de futuro. No caso de Sharon, inclusive, ele teve de engolir em seco e ir no caminho contrário a seus aliados históricos – Sharon é até hoje visto como um traidor pelos ex-colonos de Gaza.
Sharon e Ben Gurion são exemplos de estadistas que deram demonstrações concretas de estarem menos preocupados com objetivos pessoais, mas profundamente conscientes dos dilemas enfrentados pelo país que governavam. Netanyahu, no entanto, a cada dia deste seu mandato dá provas de estar focado simplesmente no mandato em si. Sua meta pessoal parece ser conseguir cumprir os quatro anos de governo.
Em Israel, por conta do sistema parlamentarista, é muito raro que isso aconteça. Para que Bibi consiga atingir tal objetivo, precisa manter a maioria dos assentos no Knesset. Consequentemente, não pode desagradar aos partidos religiosos e de direita que sustentam sua coalizão. A única forma de não bater de frente com esses partidos é não fazer nada. E Netanyahu vinha fazendo isso até agora (por mais contraditório que pareça). Adiou decisões sobre assentamentos e conseguiu atingir um bom patamar em Israel: nada de atentados, nada de grandes confusões políticas e o Hamas limitado a lançar mísseis sobre as cidades israelenses do sul sem conseguir causar grandes danos.
A zona de conforto acabou nesta semana, quando a AP anunciou e cumpriu a palavra de levar a questão à ONU. No entanto, Benjamin Netanyahu ainda poderia ter salvo seu país. Se usasse o palanque na ONU da maneira correta, claro. Se Bibi fosse um estadista de verdade, daria um golpe de mestre genial, mesmo que, domesticamente, tivesse de abrir mão de seu cargo. Se Bibi tivesse visão estratégica para além de seus quatro anos de governo, surpreenderia a todo o mundo com um pronunciamento espetacular transmitido ao vivo. Diria que, em nome da paz e do futuro do Oriente Médio, estaria disposto a reconhecer a demanda palestina apresentada. Para surpresa geral, Israel seria o primeiro Estado-membro a reconhecer a Palestina.
O pronunciamento seria uma reviravolta e só traria benefícios a Israel. Vamos a eles: o primeiro e mais óbvio é fácil de reconhecer; um Estado palestino constituído e independente em Gaza e na Cisjordânia resolve, automaticamente, um dos principais impasses do processo de paz: a questão dos refugiados. Acho que ficaria muito claro que, a partir do momento em que um novo país for criado, os refugiados palestinos passam a ter direito de serem cidadãos palestinos, e não alocados em Israel (posição atual da AP). Com este assunto resolvido, Netanyahu teria garantido o futuro de Israel como Estado judeu, uma vez que a maioria da população judaica nas fronteiras de Israel estaria garantida.
Se a Palestina fosse criada nas fronteiras de 1967, Israel também daria uma chave-de-braço permanente no Hamas (olha só!). Ao dar aos palestinos um país por meio de reivindicações restritas à esfera política, esvaziaria o discurso e os métodos violentos do Hamas. Com um Estado palestino em Gaza e Cisjordânia, o Hamas passaria a ser um problema do governo palestino. Além disso, nunca é demais lembrar que o Hamas pretende criar um país por cima do que é Israel hoje, não ao lado de Israel (como defende a AP). Os israelenses dariam uma lição ao países vizinhos: “a política resolve nossos problemas; se nos atacarem militarmente, não conseguirão nada”.
Para completar em grande estilo, Israel acabaria com os argumentos de seus inimigos. Imaginem a cara do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, diante deste surpreendente pronunciamento? E o isolamento político internacional do país? Como seria mantido a partir de uma iniciativa como esta? Este poderia representar um passo gigantesco inclusive para forjar um acordo de paz amplo com os demais países árabes. Ao apoiar um Estado palestino nas fronteiras de 1967, Israel daria um nó tático em qualquer argumento político anti-israelense.
No entanto, Israel está sozinho neste momento. Mesmo o apoio americano sob a presidência de Barack Obama tem se mostrado infrutífero. Aliás, Obama tem péssimas relações com Netanyahu e está impaciente e irritado por ter de usar o poder de veto dos EUA no Conselho de Segurança. Se o atual presidente americano for reeleito, as relações com Israel serão cada vez mais frias.
Seria tão bom que Bibi tivesse alguma visão para além do próprio mandato. Que se preocupasse mais com o futuro de Israel do que com o seu próprio. E, para falar a verdade, se Bibi desse este passo gigantesco poderia até continuar como primeiro-ministro. Poderia até ser abandonado pela sua coalizão tradicional, mas talvez conseguisse formar um governo de união nacional em torno de uma empreitada pela paz. Isso já aconteceu antes e poderia ocorrer novamente.
Segurança de Israel
Benjamin Netanyahu deixou claro em seu pronunciamento na ONU que se preocupa com a segurança dos israelenses a partir da criação de um Estado palestino na Cisjordânia. Ele está certo. Muito próxima do centro de Israel, a Cisjordânia poderia se tornar base de ataques ao Estado judeu – e à maioria da população de Israel que se concentra na região central – no momento em que se tornasse independente. A questão é: Israel vai correr este risco em algum momento, uma vez que a Palestina vai ser um Estado independente mais cedo ou mais tarde. Mesmo que um acordo de paz seja alcançado, não é uma assinatura que vai evitar novos ataques aos israelenses, mas compromisso e tempo para aceitar a realidade. Como um país, qualquer ato contra Israel poderia ser tomado como um ato de guerra. Não acredito que os palestinos estariam dispostos a bancar um confronto com a principal potência militar do Oriente Médio. Eles sabem que seriam os principais prejudicados.
E mais: o reconhecimento do Estado palestino não mudaria tudo de uma hora para outra. Na prática, funcionaria como ato obrigatório que levaria as autoridades dos dois lados de volta à mesa de negociações para estabelecer prazos e metas para tornar o projeto viável. É claro que, com o capital de simpatia restabelecido, Israel poderia exigir garantias quanto à segurança dos assentamentos enquanto o processo de desmantelamento e conversações continuasse.