É ridículo o discurso mantido pelas autoridades da Rússia. Para Moscou, a aprovação de uma resolução da ONU condenando a Síria e exortando Bashar al-Assad a deixar o cargo pode levar o país à guerra civil. Apenas os inocentes podem creditar à amizade entre o Kremlin e família Assad o grande esforço coordenado pelos russos para evitar um posicionamento internacional mais firme. Não se pode levar a sério que a Rússia continue a se expor desta maneira devido somente a um motivo tão, digamos, pessoal. Não se trata disso, é claro.
Antes de qualquer comentário mais aprofundado, nunca é demais lembrar que mesmo uma condenação das Nações Unidas não obriga Bashar al-Assad a sair correndo do país. A ONU não foi constituída para ser uma espécie de governo mundial. Isso protege a soberania de seus membros, mas o lado ruim dessa história é justamente que a organização não pode fazer nada em situações como a que ocorre na Síria. Quer dizer, não pode fazer nada quando se pensa em discurso, claro. Não há lei que obrigue ditadores a deixarem seu cargos em nome de qualquer devoção pessoal ou jurídica a uma instituição multilateral. Até porque este pensamento exige tal sofisticação e desprendimento que se os ditadores levassem isso em consideração possivelmente não seriam ditadores, certo?
Agora, se a questão for aprovada e os membros do Conselho de Segurança toparem bancar uma ofensiva, aí não haverá jeito. Acho que existe sim a possibilidade de isso acontecer. Até porque a pressão está muito grande, uma vez que Assad perdeu a mão e já matou mais de 5 mil pessoas. No entanto, a ideia é protelar ao máximo uma ação do gênero por conta do grande prejuízo financeiro – nunca é demais lembrar que a Europa atravessa a pior crise em muito tempo –, das eleições americanas e, muito importante, das graves consequências regionais que um conflito na Síria poderia ocasionar – o regime sírio certamente iria recorrer a ataques a Israel, como represália, e uma operação militar no Oriente Médio poderia desencadear uma guerra maior, envolvendo não apenas a Síria, mas também Líbano, Iraque, Irã e Israel. E ninguém poderia prever como seria o papel da Rússia no meio de tudo isso, justamente porque ela se coloca como o último pilar de apoio a Damasco.
No entanto, a situação atual não é impossível de ser contornada, muito pelo contrário. O aparentemente estranho posicionamento de Moscou tem raízes não apenas nos laços de amizade históricos com a dinastia de ditadores da Síria, mas se explica também de maneira muito mais prática. A Rússia tem investimentos pesados no país. Mais de 6% das exportações de armamentos da Rússia em 2011 foram destinadas à Síria. Somente na área de extração de gás natural, os russos têm parcerias e instalações em território sírio no valor de 20 bilhões de dólares. Como sempre estiveram ao lado dos Assad, os dirigentes do país temem perder concessões e contratos. Além disso, o foco dos russos também está sobre a estratégica base de Tartus, na costa da Síria.
Tartus é a última base mediterrânea de Moscou. Sem ela, perderá o acesso ao Mar Mediterrâneo, mantendo-se isolada e restrita aos mares gelados de Ártico, Báltico e norte do Pacífico. Certamente, o Kremlin não vai se desapegar com facilidade e abrir mão de algo tão valioso. Os opositores a Assad e a comunidade internacional precisam atuar nos bastidores com firmeza. Ou para articular a derrubada de Assad e o fim de sua ofensiva contra a população civil ou para dar garantias aos russos de que eles não sairão perdendo com as novas configurações do país. Esta última opção é a melhor para evitar uma nova guerra no Oriente Médio.
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