Após o estabelecimento da crise europeia e da solução encontrada para injetar dinheiro nos bancos, parece que todo mundo resolveu dizer que já sabia dos problemas que originaram esta convulsão. Isso é engraçado e fruto da natureza humana. Faz até algum sentido, mas não deixa de ser curioso que, até bem poucos anos, as vozes dissonantes ao projeto europeu e ao euro fossem pouco ouvidas. Uma das interpretações para o momento de quase falência atual conecta economia e política, claro.
Era difícil que o euro tivesse sucesso de longo prazo sem deixar os nacionalismos europeus de lado. A ideia inicial da União Europeia era formar um Estado supranacional, respeitando as características locais, mas sempre tendo claro que a UE representaria a todos eles. Isso não foi possível por algumas razões: faltou combinar com as pessoas. Elas não apenas questionam esta representação continental, como desconfiam de práticas já existentes. Por exemplo, o parlamento europeu tem sua legitimidade discutida com alguma frequência. Tanto que foram necessárias seguidas pressões e eleições para aprovar o funcionamento da instituição como porta-voz da política externa europeia.
Fora isso, o racha interno prejudicou o estabelecimento real de determinações. Grã-Bretanha, Dinamarca e Suécia jamais toparam aderir à moeda única (assim como outros sete estados).Transformar este projeto num bloco unificado de verdade exige sofisticação e mudanças de paradigmas e pensamento.
Se bem sucedida, a experiência certamente englobaria os demais membros e continuaria a servir de atrativo para os países que ainda estão de fora. No entanto, este momento não permite grande otimismo e a UE corre risco até de acabar. O que está para acontecer dá a dimensão da situação que está por vir: para salvar os bancos à beira da falência por conta da crise, serão necessários nada menos do que um trilhão de euros. E, diante da escassez, onde é possível encontrar tal quantia? A resposta vem dentro de um biscoitinho da sorte (ou do azar, dependendo da perspectiva). A China é o único país do mundo capaz de tirar a Europa deste buraco.
E, além do óbvio, esta ajuda vai custar um preço muito alto. A China vai cobrar que os europeus reconheçam a economia de mercado do país, o que alavancará ainda mais o poder chinês, facilitando a entrada de produtos no continente europeu.
Ou seja, para se salvar, a UE vai abrir mão da competitividade econômica e será inundada legalmente pelo poder da China – um golpe que pode demorar muito tempo para ser assimilado e cujos estragos poderão ser permanentes. Isso sem falar, claro, no capital de prestígio que os países do bloco deverão perder. Se juntarmos uma crise à outra e lembrarmos que Beijing também é a principal detentora de títulos do tesouro americano, entenderemos o resultado desta equação: graças a seu poder econômico, a China parece ter conseguido inverter a balança mundial. E assim nasce uma nova ordem planetária.