Os ataques aos cristãos coptas no Egito acendem a luz amarela para o projeto de revolução regional no Oriente Médio. Como tenho escrito, 2011 já é um ano marcante e de mudanças profundas. Por mais que a Primavera Árabe seja realidade inquestionável, este é um processo em curso e que pode ser revertido a qualquer momento. Quando uma minoria religiosa é atacada como aconteceu neste domingo, é preciso atenção. Não somente pelos assassinatos (os números apontam entre 19 e 40 mortos), mas também pelo discurso que cerca o ocorrido.
Os manifestantes faziam uma caminhada pacífica no Cairo em direção à sede da TV estatal. A intenção era protestar contra recentes ataques a igrejas do país. Ao serem informados sobre o que acontecia, funcionários do canal de TV levaram ao ar uma mensagem perigosa convocando a população a atacar quem tomava parte do protesto sob o argumento de que “a multidão procurava enfraquecer a unidade nacional”. A partir daí, os ânimos acirrados trataram de pôr em prática a violência e dar um fim trágico à manifestação.
É estranho perceber que os mesmos militares encarregados de derrubar o ex-presidente Hosni Mubarak decidiram fazer valer alguns de seus conceitos mais conhecidos. Nos tempos de Mubarak, os únicos protestos permitidos eram os que tinham Israel como alvo. Quando a Primavera Árabe tomou corpo na Praça Tahrir, há apenas oito meses, esses mesmos militares largaram o presidente e se juntaram à população comum – que lutava por liberdade, democracia, e, também, pelo direito de protestar livremente. O que aconteceu desde então?
Na época dos protestos, escrevi que a derrubada de Mubarak só foi possível graças à adesão das forças armadas. Se o poder coercitivo tivesse permanecido fiel ao ex-presidente, um banho de sangue teria acontecido e, muito possivelmente, a violência teria se expandido por todo o país. Estrategicamente, e não por questões ideológicas, não se enganem, os militares mudaram de lado. Principalmente, porque enxergaram uma oportunidade de alterar a balança de poder nacional. Ou, pelo menos, de se desvincularem de um líder já desgastado por 30 anos de mandato forçado. No Egito, as forças armadas exercem um papel na vida cotidiana que extrapola a posição de defesa das fronteiras e da manutenção da soberania. São um dos principais agentes econômicos, tendo inclusive o controle de empresas de segmentos diversos do mercado (desde a fabricação de equipamentos militares a liquidificadores para uso doméstico).
É difícil controlar os limites do poder militar. Principalmente numa sociedade onde a participação das forças armadas é historicamente fisiológica como no Egito. Na semana passada, o Conselho Supremo – órgão criado pelos militares para governar o país “temporariamente” após a queda de Mubarak – emitiu declaração dando conta de que pretendia adiar as eleições (inicialmente planejadas para abril do ano que bem) e realizá-las somente no início de 2013. Acho que o caso egípcio pode ser um termômetro da situação da Primavera Árabe. Se o Conselho Supremo permanecer no poder por tempo indeterminado, as esperanças de que o movimento popular represente uma quebra de paradigma podem ir por água abaixo.
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