Acabei deixando de fora dos textos de semana passada a suposta descoberta pelas autoridades dos EUA de um plano para assassinar Adel al-Jubeir (foto), embaixador da Arábia Saudita em Washington. Como o assunto ainda está em aberto, vale abordá-lo. Principalmente porque se trata de uma questão estratégica que envolve o quadro maior da grande batalha geopolítica no Oriente Médio entre estados sunitas e xiitas. Já abordei este tema muitas vezes por aqui e este episódio recente é interessante por ser o primeiro caso mais evidente de que, apesar das mudanças que ainda estão acontecendo na região, a lógica de alianças e interesses permanece a mesma, por ora.
Estado majoritariamente xiita, o Irã mantém proximidade com as forças opostas aos interesses americanos (Síria, Hamas e Hezbollah). Neste bloco também estava presente a Turquia. O grande problema para os iranianos é que o governo de Ancara passou a representar um terceiro e importante pilar regional. Graças à grande população, à localização privilegiada, à economia de mercado e à única condição de pertencente à Otan, os turcos se emanciparam. Curiosamente, no entanto, esta singularidade permite que a Turquia se transforme em polo de atração e liderança estratégica. Abertamente jogando pela hegemonia regional, o Irã perdeu demais com este protagonismo turco.
Se este parágrafo não explica totalmente o suposto projeto de atentado em solo americano creditado aos iranianos, talvez sirva para entender o momento interno da República Islâmica. É preciso dizer claramente, entretanto, que a participação do Irã no plano ainda se trata tão somente de uma alegação americana. Mas já há muita gente que argumenta que a realização de um ambicioso atentado no coração dos EUA seria contrário aos próprios interesses da República Islâmica, uma vez que, se concretizado, quase que certamente precipitaria um ataque militar americano.
Em primeiro lugar, é preciso dizer que a política interna iraniana segue dois caminhos distintos. O primeiro protagonizado pelo presidente Mahmoud Ahmadinejad; o segundo, pelo hierarquicamente superior a ele, o líder-supremo aiatolá Ali Khamenei. Neste momento exato, as duas principais figuras do país travam silenciosa batalha por poder, deixando aparente a discordância entre ambos. A força Quds, braço da Guarda Revolucionária que estaria por trás do planejamento do ataque em Washington, atua quase como um exército pessoal de Khamenei, tornando quase impossível a execução de qualquer ato desta magnitude sem seu conhecimento ou consentimento.
Ainda é muito cedo para creditar culpas e inocências, mas não se pode excluir a possibilidade de um racha importante no Irã. Esta divisão em alto-escalão pode tomar rumos perigosos, se vier a se manifestar também na belicosa política exterior do país. Existe também a possibilidade de braços armados vinculados ao governo de Teerã terem perdido o controle do discurso que defendem, dando poderes demais a grupos independentes e radicais que não ponderam estrategicamente eventuais operações clandestinas internacionais.
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