Não acredito em qualquer espécie de pasteurização sistemática da Primavera Árabe. Explico: não creio que a política possa ser interpretada como uma sucessão de acontecimentos previsíveis. Nem a política, nem a história humana permitem a leitura dos fatos como se fossem peças de uma máquina cujo funcionamento ou não das engrenagens leva a resultados esperados. A morte de Kadafi é uma tentação ao estabelecimento de paralelos a outros países onde a população está nas ruas contra o próprio governo. Eu mesmo farei algum tipo de análise a respeito, mas não me arrisco a cravar certezas.
E não faço isso porque entendo que os países apresentam realidades muito distintas. Na Síria, por exemplo, por maior que seja a pressão sofrida pelo presidente-ditador Bashar al-Assad, o governo ainda detém o controle de boa parte do aparato coercitivo. Pratica uma grande ofensiva contra as pessoas comuns, sofre críticas internacionais contundentes, mas, por ora, não é ameaçado de verdade. Na Líbia o governo caiu porque a Otan e as potências ocidentais articularam ataques aéreos e também decidiram bancar os “rebeldes”. Se dependesse da força interna pura e simplesmente, Kadafi ainda estaria no poder.
No Egito e na Tunísia os respectivos ditadores foram depostos basicamente porque o exército os abandonou, mudou de lado.
Reportagem do New York Times lista as singularidades da Tunísia – características que levaram o país a ser o primeiro a detonar e também encaminhar o processo que ficou conhecido como Primavera Árabe.
“Dentre os fatores a seu favor, a reduzida e homogênea população de cerca de 12 milhões de pessoas; alto nível de educação, uma grande classe-média, exército não politizado, um movimento islâmico moderado e a longa história de identidade nacional unificada”.
São credenciais importantes e que, além de não poderem ser descartadas, são difíceis de serem encontradas nos outros países da região. Assim como Tunísia e Síria são exemplos opostos, a Líbia também representa, até agora pelo menos, um caso único de intervenção internacional. Por isso, o termo Primavera Árabe serve como rótulo do processo de transformação, mas não de unificação dos destinos de todos os atores. A “Primavera Árabe” já é uma realidade, mas esta espécie de chancela internacional não garante sucesso aos seus participantes individualmente.
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