Ainda há algumas análises a serem feitas sobre a libertação de Gilad Shalit e a troca de prisioneiros empreendida após negociação indireta entre Israel e o Hamas. As grandes questões estratégicas que têm sido levantadas dizem respeito às mensagens práticas enviadas pela concretização do acordo. Há duas correntes predominantes: a primeira considera que o número de sequestros a soldados e cidadãos israelenses tende a se tornar comum; a outra acredita que o presidente palestino, Mahmoud Abbas, é o grande perdedor do processo, uma vez que os ganhos através de negociação teriam dado lugar a um incentivo indireto ao caminho da violência.
Em primeiro lugar, desde que a troca foi anunciada, na semana passada, o próprio governo de Israel admitiu que ela só possível graças ao que passou a chamar de “janela de oportunidade”. Eu abordei o assunto no texto da última sexta-feira. Há elementos distintos que compõem este termo, mas um dos mais importantes é justamente o momento de grande popularidade do presidente Abbas. Havia o temor de o acordo ser interpretado como chancela aos métodos de violência e luta armada empregados pelo Hamas em detrimento ao discurso moderado do presidente palestino. Mas, curiosamente, graças ao período de alta desde o pronunciamento na ONU em busca do reconhecimento ao Estado palestino independente, Abbas não está em situação de risco iminente. E, de maneira bastante clara, por mais interessante que seja esta libertação de mil e tantas pessoas, ela não soluciona o impasse do conflito.
Caberá a Abbas deixar isso explícito. E quem assistiu ao seu pronunciamento na Cisjordânia durante a recepção dos presos já pôde notar os métodos que ele vai empregar. Visivelmente constrangido, agradeceu aos esforços do Egito no acordo. O presidente palestino vai tentar esvaziar como puder esta vitória política do Hamas. É claro que a hipótese de um recrudescimento do Hamas existe, mas, como também escrevi na semana passada, este acordo marcou a vitória do pragmatismo – e este é um fato a ser comemorado numa região repleta de ideologia.
Sobre o risco dos sequestros, é claro que ele também existe. Mas acho que ele pode ser postergado, uma vez que a intenção do Hamas é retomar o protagonismo interno e também se firmar como ator internacional legítimo. Patrocinar uma onda de sequestros seria um retrocesso, sob este ponto de vista. A eventual derrocada do governo Assad, na Síria, deixa a aliança regional em que o Hamas está inserido em suspenso por ora. Pode ser que o grupo tente movimentos militares por conta própria, mas este me parece mais um momento de recuo diante dos acontecimentos na Síria e no Irã.
Sob a perspectiva israelense, expliquei o acontecido no texto de ontem. Jerusalém precisou correr os riscos. Há uma reportagem muito interessante do jornal canadense Globe and Mail (leia aqui) que lista o passo-a-passo do processo de construção deste acordo. Um dos trechos da matéria menciona uma declaração de bastidor do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. “Eu me oponho a este acordo, a negociar com terroristas e a libertar terroristas da prisão. Mas não há nenhuma outra maneira de trazer Gilad Shalit para casa e já é hora (de isso acontecer)”. Esta, aliás, tem sido a posição declarada de Netanyahu e acho que não são necessárias maiores análises sobre ela.
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