terça-feira, 18 de outubro de 2011

A vida humana na balança do Oriente Médio - parte 2

Gilad Shalit está de volta a Israel. A troca de prisioneiros aconteceu como previsto e também libertou parte dos palestinos que estavam em prisões israelenses. Esta não é a primeira vez que o Estado israelense enfrenta os dilemas internos de libertar criminosos envolvidos no assassinato de centenas de civis. Desta vez, os beneficiados pelo acordo indireto com o Hamas foram responsáveis pelas mortes de 599 israelenses. No total, desde a primeira troca de prisioneiros, em 1957, Israel libertou 13.509 prisioneiros em troca de 16 soldados.

No entanto, o que pode soar como fraqueza e ingenuidade me parece ser justamente o oposto. Diante de todo o isolamento político e dos muitos erros estratégicos recentes cometidos pelo governo israelense, esta libertação mostra a força de uma sociedade que valoriza a vida. A vida de Shalit é única e não poderia ser desperdiçada, mesmo com todas as possíveis graves consequências da libertação de presos envolvidos no planejamento e execução de atentados a civis. Depois de muito tempo, esta sociedade – em frangalhos por divisões internas e escolhas políticas duvidosas – deu a demonstração de que não esqueceu alguns dos valores que tornaram o país admirado em todo o mundo. Curiosamente, coube ao Hamas provocar este renascimento.

Em 2004, publiquei um texto que reproduzo abaixo. Na época, o mundo assistia como agora a uma troca de prisioneiros muito semelhante a esta que está em curso. As especificidades, o contexto e os dados são distintos, mas a visão quanto à importância da vida humana permanece a mesma.

“Recentemente Israel e Líbano concretizaram uma troca de prisioneiros histórica. Por trás das manchetes que circulam em todo o mundo, há uma espécie de balança de valores que poderia definir as duas sociedades. A matemática é simples: Israel libertou 436 prisioneiros em troca de apenas um cidadão vivo, três soldados mortos e informações sobre o piloto desaparecido Ron Arad.

Acabo de retornar de Israel. Não sei se há em outro lugar do mundo uma organização como a MIAs, que busca informações sobre oficiais desaparecidos em ação. Desde a fundação do Estado, em 1948, mais de quatrocentos soldados estão sob o status Missing in Action. O caso mais emblemático é justamente o do piloto Ron Arad, capturado em 16 de outubro de 1986 após ejetar-se de seu avião e cair em solo libanês.

O governo de Israel busca, desde então, informações sobre o piloto e pistas para encontrá-lo. E essa foi uma das razões para a efetivação da controversa troca de prisioneiros. De fato, é difícil compreender a libertação de prisioneiros como Anwar Yassin, que, em setembro de 1987, assassinou os soldados Alex Singer, Ronen Weisman, e Oren Kamil. Alex Singer era irmão do jornalista do Jerusalem Post, Saul Singer, que, em coluna publicada no jornal, opina: ‘A razão pela qual temos que trocar tanto por tão pouco é que valorizamos a vida humana e a liberdade de maneira diferente’.

Realmente, é difícil de engolir a recepção que boa parte dos prisioneiros recebeu em Beirute (muitosdos que foram libertados seguiram para os territórios palestinos). Na capital do Líbano uma comitiva que reunia o presidente Emile Lahoud e o líder do grupo terrorista Hezbollah, o xeque Hassan Nasrallah, aguardava os presos recém-libertados. Havia também a presença de muitos jornalistas ocidentais que cobriam o evento e faziam questão de chamar os ex-presos de militantes.

Quando se lida com números, realmente fica mais fácil chamar de militantes as 436 pessoas envolvidas na troca de presos. Mas é difícil aceitar uma definição tão simplista - e até certo ponto romântica - ao examinarem-se as ações que os levaram à prisão em Israel. Um bom exemplo é o caso do libanês Samir Kuntar, que, em 1979, foi o responsável pelas mortes de Danny Hanan, suas duas filhas (de quatro e dois anos de idade) e um policial.

A polêmica criada em Israel foi tamanha que a troca esteve ameaçada de não acontecer até o último momento. Duas associações de vítimas do terrorismo entraram com ações na Suprema Corte. O argumento utilizado pelas duas organizações era de que a troca correspondia a um perigo para o Estado e seus civis. Segundo o representante da organização Vítimas do Terrorismo Árabe, Baruch Ben-Yosef, "centenas de terroristas, incluindo aqueles com sangue nas mãos, não podem ser libertados". Porém, a petição foi negada e a troca se concretizou.

Nos jornais brasileiros, pessoas como Anwar Yassin e Samir Kuntar continuam a ser chamados apenas de militantes. Imagens do reencontro dos terroristas no Líbano com suas famílias podem comover aqueles que não sabem dos crimes que cometeram. É por isso que se faz necessário um exame cuidadoso da ficha de cada um dos 436 presos antes de qualquer avaliação.

Por sua vez, a troca não é um fato a ser comemorado. É apenas mais um capítulo que ensina como cada sociedade enxerga a vida humana de maneira distinta. Enquanto assassinos como Anwar Yassin e Samir Kuntar são recebidos no Líbano com honras de Estado, a sociedade israelense parece estar disposta a pagar um alto preço para ter seus filhos de volta. Mesmo que seja apenas para lhes dar um enterro digno.”

Um comentário:

Geni disse...

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