Lembram-se do WikiLeaks, a importante organização que subverteu o conceito de notícia ao espalhar material bruto governamental secreto a veículos de comunicação em todo o mundo? Pois é. Ela agora corre sério risco de deixar de existir, uma vez que sua única fonte lucrativa secou. Segundo Julian Assange, seu polêmico fundador, as empresas que repassavam as doações ao site passaram a restringir e mesmo impedir as remessas. Assange comprou – ou foi obrigado a provocar – uma briga com alguns dos principais agentes econômicos privados mundiais: Paypal, Visa e Mastercard.
Interessante nisso tudo não é apenas o fato, mas as mudanças intrínsecas a este evento. Em primeiro lugar, o WikiLeaks é simultaneamente fornecedor de material aos veículos jornalísticos mas também é protagonista frequente das notícias. Seja pelos processos que atingem seu fundador, seja pela natureza do material que divulga. Outro aspecto que chama a atenção – ou ao menos deveria – é que, pelo menos aparentemente, a briga da vez se resume ao bem impalpável que é a informação. Para completar, apesar dos Estados nacionais estarem profundamente interessados em acabar com o WikiLeaks, neste caso específico as empresas privadas representam os interesses dos países (da cúpula política desses países, para ser mais claro). Na maior parte das vezes na história recente, acontece o oposto – o Estado trabalha para o bem-estar das corporações.
Boa parte da lógica foi invertida porque o site de Assange também mudou regras tradicionais. Publica informações secretas de governos, repassa a jornais sem qualquer custo e vive de doações (e, aparentemente, apenas delas). Se vazar material secreto sempre foi o sonhos dos veículos de comunicação, o WikiLeaks é um serviço novo porque não lucra diretamente com isso. Democratiza sem exigir contrapartidas, publica tudo no site e não requer assinaturas mensais ou qualquer compromisso de fidelidade dos leitores. O único furo deste sistema, sob o ponto de vista da organização, passa justamente por sua manutenção. O site precisa de dinheiro para continuar a existir. E, por isso, segue a ordem tradicional de transações financeiras. Ainda não há alternativa neste caso. E foi justamente esta fraqueza que pode custar sua existência.
O WikiLeaks vaza conteúdo secreto dos governos desde 2007. Pode ser incômodo, indiscreto e desagradável à cúpula de poder dos países e principalmente das potências. Mas este é um serviço justo quando se muda o foco. Por que as populações não podem ter acesso a este material? Afinal de contas, os governos representam as pessoas e nada mais coerente que seus cidadãos conheçam suas entranhas e também as incoerências dos discursos que adotam. Li muitos textos argumentando que Assange é um anarquista que quer acabar com esta ordem mundial. E isso importa neste caso? Sinceramente, não creio. As ideologias do fundador do WikiLeaks e seus sonhos até certo ponto ingênuos não alteram em nada o que está em jogo nesta situação. O fato é muito simples: as corporações querem impedir a divulgação de informações relevantes às pessoas. Além de isso não fazer sentido e ser injusto sob qualquer ponto de vista, acaba dando às empresas privadas um poder que elas não têm e não deveriam ter: o benefício de decidir em nome dos cidadãos o que deve ou não ser divulgado.
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