sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Possível libertação de Gilad Shalit representa a vitória do pragmatismo

Mais de cinco anos após o sequestro do soldado Gilad Shalit, Israel e o grupo radical Hamas incrivelmente alcançaram um acordo. Por mais que seja muito claro que este é um momento de recuo estratégico por parte do Hamas, a nova configuração do Oriente Médio alimenta algum tipo de esperança de futuro. Não se trata de ter esperança num futuro bom ou mais ou menos, mas a simples existência de um amanhã onde cada um siga seu rumo. Acredito na forma como o escritor israelense Amós Oz enxerga o instante posterior à assinatura de um tratado de paz definitivo.

Israelenses e palestinos não serão povos irmãos, sejamos pragmáticos. Há muito rancor, muito lamento e ódio pelas vidas perdidas em cada um dos lados. Por isso, num primeiro momento, Israel e a Palestina serão países que estabelecerão relações como as de um casal recém-divorciado: há sentimentos ruins de ambos os lados, muitas vezes os ex-cônjuges não se suportam, mas, neste caso específico, precisarão aprender a dividir o mesmo apartamento. Cada um em seu cômodo, mas no apartamento apertado que é o Oriente Médio.

O acordo que culminou com a troca de prisioneiros talvez seja um dos primeiros sinais das mudanças regionais ainda em curso. Em primeiro lugar, o Hamas foi obrigado a recuar. Com o rival Fatah em alta internacional, o grupo radical sofreu um golpe duríssimo muito mais grave, inclusive, que qualquer derrota militar imposta por Israel. Na iminência de conquistarem seu Estado, os palestinos puderam reforçar o que todo mundo já sabia: muitas vezes, a arte da política consegue ser muito mais vitoriosa que as campanhas militares. Por mais contraditório que pareça, esta percepção é muito positiva também a Israel.

No mais, a nova configuração regional também se fez presente. Em tempos de Primavera Árabe, os israelenses não poderiam esperar demais. Se hoje contaram com a mediação deste governo transitório do Egito para costurar o acordo de libertação de Shalit, ninguém pode assegurar que nas próximas eleições a Irmandade Muçulmana não saia vitoriosa. E, neste caso, certamente o grupo não estaria disponível para negociar com Israel. Agora, o Conselho Militar que dirige o país precisava apresentar algum tipo de medida razoável ao mundo. Ao sentar para negociar com os israelenses, ganha pontos importantes no cenário internacional.

Até a Turquia, que nos últimos dois anos se transformou numa importante força de oposição ao governo de Jerusalém, apoiou o acordo. Segundo o ministro das Relações Exteriores Ahmet Davutoglu, seu país foi consultado pelo Hamas durante o processo de elaboração do plano. É claro que todo mundo quer se valer do aparente sucesso da iniciativa e Ancara não pode prescindir de influência em nenhum aspecto minimamente importante do Oriente Médio.

Um ponto importante diz respeito às declarações de bastidores e seus significados implícitos. Fontes palestinas que participaram dos diálogos disseram que o Hamas entendeu que era impossível a qualquer um dos lados obter 100% de suas demandas. Ora, esta talvez seja uma das melhores notícias disso tudo. Saber perder é a base de qualquer negociação. E, quando o grupo radical aceita esta premissa, mostra uma flexibilidade completamente oposta a seu discurso. E, para completar, quando aceita negociar com Israel também, na prática, reconhece que o Estado judeu existe como interlocutor. O mesmo raciocínio vale para os israelenses. Apesar de um Estado democrático não poder ser comparado ao Hamas, Israel também não reconhece o grupo como um interlocutor válido. Num cenário de mudança, Jerusalém soube lidar com os elementos que existem na realidade, não com os elementos que deveriam ou não existir.

Li uma frase brilhante na versão online do jornal israelense Yediot Ahronot: “no final das contas, Israel capitulou e o Hamas mostrou flexibilidade”. Acho que esta constatação traduz perfeitamente o resultado desta negociação. E este talvez seja o grande mérito deste processo; forçou os dois lados a lidar com aquilo que é o pior resultado a ambos. E, quando isso aconteceu simultaneamente, os dois lados ganharam. É curioso, não é? Talvez essas conclusões apontem caminhos viáveis no Oriente Médio. É interessante saber os motivos que levaram à conjunção de tantos fatores neste momento. No entanto, os resultados são mais importantes. Neste caso, prevaleceu o pragmatismo – o que, numa região profundamente ideologizada, é uma evolução.

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