quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O ciclo da Primavera Árabe começa a se fechar na Tunísia

A Tunísia fechou a primeira parte do ciclo. Depois de ser o primeiro país a derrubar seu ditador, conseguiu realizar eleições limpas (aprovadas, inclusive, por observadores internacionais) que contaram com ampla participação popular, como não poderia deixar de ser. Mais de 90% dos quatro milhões de eleitores aptos a votar participaram do pleito. Foram 80 partidos disputando as 217 cadeiras do parlamento. E, sem grandes surpresas, o Ennahda (ou Al Nahda) recebeu o maior percentual de votos. O partido islâmico promete agir moderadamente e manter as conquista políticas, sociais e os direitos femininos.

É até certo ponto natural que um país mantido fechado durante décadas por uma ditadura encontre no movimento islâmico a solução mais óbvia para seus problemas. Isso porque, apesar do sistema de partido único ter existido desde 1956 – ano da independência da Tunísia – , a militância islâmica contrária ao regime continuou a atuar. Isso não somente fortaleceu seus militantes como também lhe deu organização e estrutura. Numa democracia nascente, como é o caso, é previsível que os demais grupos estivessem dispersos ou não existissem até este ano.

A boa notícia para a Tunísia é que a vitória do Ennahda não foi esmagadora. A maioria absoluta não foi atingida e o partido será obrigado a articular alianças. Formará um governo de coalizão com dois partidos laicos: Congresso para a República (CPR, em francês) e Ettakatol (Fórum Democrático para o Trabalho e as Liberdades). O que está em jogo a partir de agora é mesmo a reconstrução do país, por isso o momento é tão importante. O que é curioso é que, ao contrário de outras situações, as pessoas por lá parecem ter isso claro. Há discussões de todos os tipos, e os parlamentares que assumirão seus cargos têm a difícil missão de definir como será a Tunísia do futuro. Um futuro pós-ditadura.

A ideia é redigir uma nova constituição. O debate foi cerceado por tantos anos que a efervescência do momento produz sem parar. Há 12 rascunhos em pauta. Como chegar a um consenso diante de tantas opções? Se isso soa caótico, a mim parece um ponto positivo. Numa sociedade tão vigiada por décadas, as muitas ideias e as forças que se anulam são positivas. É importante que não haja nenhum partido ou grupo que se sobreponha aos demais. E, por isso, a divisão deste momento não é ruim, pelo contrário: é uma marca da democracia. Regimes democráticos existem para conciliar interesses distintos, é assim mesmo.

No final das contas, a Tunísia acaba por ser mais uma plataforma de expansão do modelo turco, que no fundo é tunisiano. A Turquia se afirma como potência regional e força no mundo islâmico como “exportadora” do sistema que alia democracia e islamismo. A Tunísia agora assumidamente se espelha neste exemplo através do Ennahda. Pouco se fala nisso, mas um dos líderes do partido na Tunísia – Rachid Ghannouchi – foi um dos primeiros que buscou conciliar as duas correntes, no início dos anos 1980. Seus textos influenciaram as lideranças turcas. Agora, o ciclo retorna a seu lugar de origem. Resta saber se este modelo será adotado também por Egito e Líbia, por exemplo. E até que ponto será possível manter o equilíbrio entre religião e política nesses países que se reconstroem.

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