quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O ataque à embaixada britânica no Irã e a reviravolta política iraniana

O ataque de “estudantes” à embaixada britânica carrega em si uma série de significados sobre as relações internacionais do Irã e também acerca das questões políticas internas da República Islâmica. Para começar, a interação entre iranianos e britânicos nunca foi das melhores, uma vez que Teerã – e os líderes que estão no poder há pelo menos três décadas – nunca perdoaram de verdade o apoio do Reino Unido ao xá Reza Pahlevi. Não foram poucas as vezes, inclusive, que o próprio Mahmoud Ahmadinejad exigiu que EUA e Grã-Bretanha pedissem desculpas pelo golpe que, em 1953, derrubou o então primeiro-ministro, o nacionalista Mohammad Mossadegh.

As invasões às duas representações britânicas em Teerã têm a ver com isso, sem a menor dúvida. Mas há outras razões que explicam esses eventos. A primeira delas é muito recente e foi amplamente divulgada: a nova rodada de sanções aplicada por Canadá, EUA e Grã-Bretanha. Coube a Londres tocar fundo num ponto realmente importante aos iranianos; o Banco Central. Ao impedir transações com o principal agente financeiro governamental de Teerã, os britânicos conseguiram atrair o mais profundo ódio da esfera política da República Islâmica. Tanto que, depois disso, houve quase unanimidade entre os parlamentares iranianos quanto à redução dos contatos políticos entre os dois países. Dos membros do parlamento, somente quatro se posicionaram contra as medidas. E esses quatro se opuseram porque queriam que as relações fossem totalmente rompidas, não reduzidas.

É claro que esta votação no parlamento, realizada no último domingo, teve influência direta nos acontecimentos desta terça-feira. Mas há um outro fator por trás deste movimento. O crescente radicalismo da política iraniana não atende pelo nome de Mahmoud Ahmadinejad, por mais incrível que isso pareça. Conhecido por sua retórica antissemita, antiocidente e antiamericana, o atual presidente sofre enorme pressão política interna. Seu maior rival é Qassem Suleimani (foto), comandante da Força Quds, unidade responsável pelas operações internacionais da Guarda Revolucionária. As imagens das invasões de terça mostram muitos dos “estudantes” carregando cartazes com fotografias de Suleimani.

Cada vez mais popular internamente, a Guarda Revolucionária se reafirma como pilar político doméstico. Como informa o jornal britânico Guardian, as Forças Quds – e a Guarda Revolucionária como um todo – dependem dos dividendos do petróleo para continuar a operar. Como as transações comerciais de petróleo dependem, por sua vez, do Banco Central, basta ligar um ponto a outro. Está muito claro que as novas sanções surtiram efeito. O problema, agora, é decidir o que se espera com isso. É claro que essas medidas são preferíveis a um ataque militar, mas elas também podem ter consequências igualmente graves.

Afinal de contas, se a situação com Ahmadinejad é ruim, com Suleimani ela certamente será muito pior. Uma eventual vitória política de um duro comandante militar pode marcar o rompimento definitivo entre o Ocidente e o Irã.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Eleições no Egito e as complicadas transformações geopolíticas locais

O processo eleitoral egípcio não é somente longo, mas também lento e confuso. As eleições que começaram nesta segunda-feira serão realizadas em três etapas, tendo como ponto final o dia 11 de março de 2012. Aliás, o esforço de burocratização é tão grande que há inúmeras questões nisso tudo. Por exemplo, mesmo após encerradas no terceiro mês do ano que vem, ainda haverá muitas dúvidas. Os parlamentares já estarão escolhidos, mas ninguém poderá dizer se o país será de fato um Estado democrático.

Principalmente devido à lacuna que mais atormenta os manifestantes da praça Tahrir: quando o Conselho Supremo das Forças Armadas irá largar o poder? Por mais que eleições parlamentares supostamente limpas (e esta também é uma dúvida em aberto) representem por si só um avanço, os manifestantes que estão nas ruas exigem um governo civil. E isso o Egito não tem hoje. O cronograma oficial estabelece a realização da eleição presidencial somente em julho de 2012. Até lá, ninguém sabe o que poderá acontecer.

Mesmo depois disso, o futuro egípcio permanecerá como um grande ponto de interrogação. Principalmente porque há a promessa de o parlamento e também da junta militar redigirem uma nova constituição. E aí reside um dos aspectos mais intrigantes de todo este processo: qual será o papel do islamismo político na condução deste “novo” Egito? Ainda é cedo para elucubrações por conta dos resultados ainda desconhecidos deste pleito parlamentar. Mas não há dúvidas quanto à presença do islamismo político na formação do Egito pós-Mubarak – o que causa pavor aos EUA.

Aliado histórico americano, influente ator árabe, pilar de sustentação do Oriente Médio e primeiro país árabe a assinar um acordo de paz com Israel, o Egito é um dos Estados mais importantes da região por muitos motivos distintos. Se a Casa Branca parece não ter se importado com a vitória do partido islâmico Ennahda na Tunísia é porque o peso do país é muito menor e também porque o islamismo político tunisiano também é bem diferente daquele representado pela Irmandade Muçulmana. O Ennahda quer aplicar na Tunísia um modelo similar ao da Turquia e se autodeclara uma legenda moderada. Como se sabe, não é este o caso dos islâmicos egípcios.

Se a Irmandade Muçulmana conseguir a maioria dos assentos e um papel de protagonismo no Egito, causará problemas ao presidente do EUA. Barack Obama será obrigado a interagir pela primeira vez com um grupo que tem no discurso anti-israelense uma de suas principais plataformas. Obama precisará encontrar uma solução complicada para esta equação, já que não será possível simplesmente ignorar o novo governo egípcio, mas também terá de lidar com pesadas críticas domésticas às vésperas das eleições presidenciais americanas.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Uma possibilidade real e preocupante no Egito

Essa nova onda de protestos no Egito é muito inconveniente aos EUA, mas bastante satisfatória à Irmandade Muçulmana. A situação de tranquilidade do grupo é fruto da incompetência na gestão do país pelo Conselho Supremo das Forças Armadas (CSFA), da conjuntura regional e também de um pouco de sorte.

O CSFA se atrapalhou graças à própria ambição. Se tivesse agido conforme prometido, teria providenciado eleições parlamentares e presidenciais o mais rápido possível. Mas, ao sentar sobre o poder e ser seduzido pela possibilidade de liderança política, perdeu a mão e a credibilidade junto à população. Os protestos são a consequência mais óbvia disso. Os militares no Egito são como aqueles zagueiros atrapalhados que, ao recuar a bola para o goleiro, acabam deixando o atacante adversário na cara do gol. E é isso o que está acontecendo.

A Irmandade Muçulmana já estava em vantagem desde fevereiro. Porque, mesmo durante os anos da ditadura Mubarak, conseguia eleger seus representantes sob o subterfúgio da candidatura independente dos parlamentares. Assim, como alardeado durante o processo de derrubada do ex-presidente, o grupo é o mais organizado politicamente. Um outro aspecto importante diz respeito à visão da população mais humilde. Para esta camada, a Irmandade foi a única a conseguir se firmar como oposição a Mubarak. E há alguma razão nisso.

A conjuntura regional também é favorável. Na Tunísia, os islâmicos organizados politicamente saíram vitoriosos do novo processo eleitoral. Com a pretensão declarada de aplicar um modelo similar ao da Turquia, seduziram não apenas os eleitores, mas também o ocidente. Se é possível conviver com os islâmicos de Ancara, também é possível negociar com os da Tunísia.

A sorte da Irmandade Muçulmana egípcia está no conjunto de todos esses fatores, mas também no fato de que o grupo não precisa fazer nada em oposição ao que o próprio ocidente espera que aconteça. Pelo menos, não por ora. A luta da população contra a junta militar é para que ela realize eleições. A Irmandade Muçulmana quer o mesmo. Justamente porque sabe que, no pleito que tem início na próxima segunda-feira, ela tem tudo para se tornar o grupo com maior representatividade no parlamento. É a democracia trabalhando a favor de um grupo islâmico abertamente radical em suas posições.

Não será a primeira vez que isso vai acontecer. Logo ao lado, em Gaza, em 2006, o Hamas participou e venceu as eleições parlamentares palestinas. E o que aconteceu? O grupo matou integrantes do Fatah – partido majoritário que compõe a moderada Autoridade Palestina – e os que sobreviveram à guerra interna foram expulsos para a Cisjordânia. Até hoje, não podem retornar. É claro que ninguém pode garantir que o mesmo irá acontecer no Egito (até porque se trata de um país estabelecido, com 80 milhões de habitantes e membro pleno da comunidade internacional), mas é uma lembrança recente de um evento de características parecidas. É o bastante para deixar todo o mundo preocupado.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

As forças armadas possivelmente irão recuar no Egito

Com o número de mortos aumentando no Egito, a situação num dos principais pilares do Oriente Médio se torna ainda mais grave. Se a derrubada de Hosni Mubarak após 18 dias de protestos provocou otimismo internacional, houve uma falsa interpretação de que os egípcios haviam resolvido o problema. O país era o ponto de ebulição da Primavera Árabe e também receberia suas primeiras benesses. Por se tratar de um aliado americano e com grande penetração nos organismos multilaterais, deveria ser o que mais facilmente se adaptaria às demandas populares.

O Egito seria uma espécie de palco de vanguarda deste novo mundo árabe. A queda de Mubarak marcaria o início de uma nova era nacional que, se bem trabalhada – e havia indícios para se acreditar nisso –, poderia se espalhar pela região positivamente. O Egito tinha tudo para ser um belo exemplo aos demais países árabes. O problema é que havia um impedimento prático a isso: os militares.

É importantes dizer que as forças armadas egípcias se apoderaram de funções pouco comuns a militares.São os principais agentes econômicos do país e estão direta ou indiretamente ligados à gestão ou participação de 70% dos negócios nacionais. Como escrevi durante a derrubada do ditador Mubarak, o espectro de empresas vai de tanques de combate à fábricas de liquidificadores. Ou seja, qualquer um que conhecesse um pouco do tecido social e econômico egípcio poderia supor que o exército não estaria satisfeito com o papel de mero coadjuvante nesta nova oportunidade política que se descortinou.

Deu no que deu. O problema é que esta sede por poder pode se transformar num tiro no pé e num tiro para o alto – este último pode cair bem perto dos EUA. O exército passou de herói a vilão na visão das pessoas comuns. Isso está muito claro. O problema é que, desde a queda de Mubarak, os EUA têm estabelecido contatos próximos e intensos com as principais figuras militares do Egito porque, na prática, simplesmente ficaram sem interlocutores num aliado importante no Oriente Médio. Antecipando-se à ira popular, Washington adotou a única estratégia possível: condenar a morte de civis durante a nova leva de protestos e exigir que as eleições presidênciais democráticas sejam realizadas o quanto antes.

O tiro no pé que mencionei diz respeito a uma informação bastante conhecida. Maior financiador do Egito, os americanos entregam aos cofres egípcios três bilhões de dólares anuais. Deste total, 1,3 bilhão em ajuda militar. Caso não cumpram a cartilha americana, a Casa Branca tratará de fechar as torneiras. Simples assim. Por isso, é bem possível que as forças armadas recuem diante da enorme pressão popular e internacional.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

A revolução em risco no Egito

Quando eu colocava muitas barreiras antes de classificar a derrubada de Hosni Mubarak, no Egito, como uma revolução era porque temia que o termo fosse banalizado. O que está acontecendo neste instante no Cairo mostra que é preciso mais cuidado do que entusiasmo ao se analisar um fenômeno político. Ninguém discute que a queda do presidente egípcio que comandou o país por 30 anos seja um evento de grande importância, tanto que se insere num contexto mais amplo de mudanças regionais. No entanto, não se trata de uma revolução. Pelo menos, não ainda.

Revolução é reforma, mudança de paradigma mesmo. Se – ou quando – houver uma democracia de verdade no Egito, aí sim a revolução terá de fato existido. Por ora, o que se vê é simplesmente o poder mudando de mãos. O Conselho Supremo das Forças Armadas (CSFA) que controla o país deveria ser, em tese, um mero instrumento de transição entre o fim da ditadura Mubarak e a posse de um governo civil democraticamente eleito. No entanto, há cada vez mais sinais de que os militares não estão dispostos a largar o osso tão facilmente. Por conta disso, a mesma dinâmica de manifestações que derrubou o ex-presidente voltou a tomar a simbólica Praça Tahrir (talvez o lugar mais importante do ano em todo o mundo). A diferença está na reação do exército.

Se em fevereiro deste ano os militares contrariaram as ordens de Mubarak e se uniram aos protestos, desta vez agiram de maneira distinta. Segundo dados oficiais, já há mais de 1,5 mil feridos e 23 mortos. E aí fica a questão: a menos de uma semana das eleições parlamentares, por que agir desta maneira? Por que o padrão de comportamento militar mudou de forma tão abrupta? A atuação do CSFA desde sábado também coloca em dúvida a própria capacidade deste governo transitório de realizar eleições limpas.

Os egípcios estão ansiosos para mudar o país. Não apenas pelas décadas de Mubarak, mas também pela força que a população percebeu deter ao ir às ruas e forçar o fim da ditadura. No entanto, se as eleições da semana que vem ficarem sob suspeita, ninguém sabe qual será o futuro não apenas do Egito, mas também da Primavera Árabe e da própria atuação americana na região. Por ora, os EUA têm trabalhado em silêncio ao lado do CSFA, na esperança de que a situação se normalize e os militares cumpram o prometido de não intervir no processo político. Mas, se o exército for acometido por um desejo incontrolável de tomar o poder (e já há rumores de que o regime de transição planeja realizar eleições presidenciais somente em meados de 2013), Washington irá se afastar desta administração militar.

 
E aí algo curioso deve acontecer: os 3 bilhões de dólares anuais de ajuda americana podem ser suspensos até que a democracia seja restabelecida no Egito. Afinal de contas, o que a Casa Branca menos precisa agora é perder um aliado estratégico por ser identificado com o estabelecimento de mais uma ditadura no Oriente Médio.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Occupy Wall Street representa o renascimento dos EUA

Para completar a discussão em torno do movimento “Occupy Wall Street”, alguns pontos interessantes a serem discutidos. Acho que as manifestações têm surtido efeito, apesar de toda a injustificável truculência policial para contê-las. Como escrevi na quarta-feira, em tempos de tentativa de reversão da imagem internacional do Estado americano, o uso de força para acabar com protestos pacíficos representa um gol-contra daqueles. Ainda mais quando lembramos os significados e acontecimentos deste importante ano de 2011.

No fundo, ninguém esperava do país mais orgulhoso de sua democracia a condução tão equivocada dos acontecimentos . Principalmente porque o alvo do poder coercitivo são cidadãos americanos desarmados que, assim como em muitos períodos da história do país, querem apenas protestar. De qualquer forma, sob o ponto de vista dos manifestantes, já se pode dizer que eles participam de um movimento vitorioso. Li numa matéria da agência de notícias Reuters uma definição interessante e que mostra bem como a discussão está acalorada nos EUA.

“Qualquer que seja seu futuro, está claro que, até agora, os manifestantes não mudaram as opiniões em Wall Street quanto à culpa pelo período difícil que o país atravessa”. Parece-me que há uma grande incompreensão em relação aos objetivos do movimento. Certamente, a ideia não é mudar a cabeça daqueles que justamente participam desta dinâmica. Ora, quem seria inocente o bastante para imaginar que isso seria possível? Por que os maiores beneficiados por este sistema aceitariam reduzir seus lucros?

Esta premissa é furada por muitas razões, mas principalmente porque o objetivo dos manifestantes não é convencer os executivos financeiros de que eles são protagonistas de uma ordem injusta. Isso não seria apenas ridículo, mas também improdutivo. “Occupy Wall Street” venceu porque conseguiu transformar a desigualdade americana numa discussão da ordem do dia. Nos últimos anos, este assunto era tabu e estava varrido para debaixo do tapete graças ao poderoso lobby dos correligionários do Tea Party, que são simplesmente contrários à presença do Estado e, por defender este distanciamento, exigem menos cobrança de impostos (inclusive aos muito ricos).

OWS representa um sopro de vida a um país que se encontrava em estágio avançado de letargia popular.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Expulsão de manifestantes que ocupavam Wall Street é derrota institucional americana

Prefeitos das cidades americanas se uniram para acabar com os inúmeros movimentos populares que se tornaram conhecidos graças ao primeiro deles: o “Occupy Wall Street”. De forma até violenta, os políticos locais conseguiram ser “bem-sucedidos” ao encerrar acampamentos que tinham como objetivo protestar e chamar a atenção para a crescente desigualdade econômica e social dos Estados Unidos. No entanto, o que classificam como sucesso nada mais é do que um retumbante fracasso nacional.

Foto: senhora de 84 anos de idade é atingida por gás de pimenta lançado pela polícia em Seattle

Em primeiro lugar pelo o que é mais óbvio: a massa de americanos que se aglomerou principalmente nas grandes cidades é o retrato da falência do Estado naquilo em que ele deveria ter como seu objetivo principal; o bem-estar de seus cidadãos. Afinal de contas, as pessoas estão lutando por saúde, educação, moradia e trabalho. Não custa lembrar, os cidadãos americanos – assim como os de qualquer país – exigem que se faça justiça a partir dos impostos que pagam. Há um ditado cunhado pela cultura dos EUA que cabe bem neste caso: “não existe almoço grátis”.

De fato, ninguém quer nada de graça. A luta desses dias é pelo retorno do investimento que se faz diariamente através do pagamento de muitas taxas. O “almoço grátis” foi dado por Washington aos bancos privados – não à população comum – por meio da ajuda financeira que acabou nos bolsos de seus executivos. E isso parece ter sido esquecido. Este esquecimento é muito conveniente aos governos neste momento. O problema é que esta atitude é uma oposição aos chamados “valores americanos” - que nada mais são do que uma construção a partir de eventos-chave da história do país.

Quando cidadãos são expulsos sob os pretensos argumentos de que a ocupação de Wall Street viola princípios “sanitários” ou da “lei de silêncio” o Estado americano joga pela janela o histórico de lutas sociais de que tanto se orgulha. As justificativas apresentadas para pôr fim à livre e pacífica manifestação de ideias não são simplesmente ridículas, como também expõem os EUA no exterior de maneira perigosa. Como a Casa Branca diz apoiar a Primavera Árabe, por um lado, se, por outro, inviabiliza a democracia naquilo que é mais básico? Vai ser difícil desatar este nó.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Liga Árabe ameaça suspender a Síria

A Liga Árabe anunciou que pretende suspender a Síria da organização se até quarta-feira o governo de Bashar al-Assad não acabar com a violência contra os manifestantes populares, retirar seus blindados das cidades, libertar prisioneiros políticos e começar a dialogar com a oposição. É pouco provável que tantas mudanças aconteçam neste breve período de tempo. O que é importante ressaltar nisso é a própria decisão da Liga Árabe, um gesto político pouco comum de uma instituição que, sob seu “guarda-chuva”, aglutina outros Estados que infringem os direitos humanos tanto quanto a Síria.

É claro que esta decisão é digna de nota, principalmente porque demonstra um posicionamento positivo. Afinal de contas, apesar das inúmeras contradições intrínsecas à organização, não se pode esquecer que se trata de uma manifestação favorável não apenas à população comum da Síria, como também aos muitos manifestantes em diversos pontos do mundo árabe. No entanto, o poder de pressão da Liga Árabe é limitado. Diante da real e provável possibilidade de o regime Assad não atender às exigências, o que poderá ser feito? Nada, para ser bastante franco. Os exércitos árabes não se mobilizarão para conter o presidente sírio e sua matança de civis que, segundo a ONU, já tirou a vida de 3,5 mil pessoas desde março deste ano.

Num cenário mais amplo e estratégico, a quase unânime condenação a Damasco (com a aprovação de 19 dos 22 países-membros) está relacionada também à batalha silenciosa (cada vez menos silenciosa, diga-se de passagem) entre Estados sunitas e xiitas da região. Os sunitas – Egito, Qatar, Jordânia, Arábia Saudita, para citar os mais relevantes – disputam com os xiitas e seus aliados – Irã, Síria, Hamas e Hezbollah – a liderança do Oriente Médio. Já tratei deste assunto inúmeras vezes por aqui, mas é sempre importante retornar a ele na medida em que boa parte dos assuntos se relaciona a esta oposição mais ampla. A Liga Árabe e sua decisão de condenar a Síria acaba por deixar esta disputa ainda mais evidente.

Aliada ao Irã, a Síria é um dos atores regionais mais importantes do Oriente Médio. Por seu poderio militar e posição geográfica estratégica, é também um dos que causam maior preocupação. Ao colocar os sírios contra a parede, a Liga Árabe também acaba, por consequência, expondo a situação de impasse que se configura: uma ofensiva militar ocidental para derrubar Assad causaria grandes estragos regionais e transformaria a guerra retórica existente entre sunitas e xiitas num conflito de fato. Os acontecimentos que se sucederiam a partir do início de uma eventual iniciativa como a que derrubou Kadafi na Líbia são tão previsíveis que, sem medo de errar, apresento-os agora: em alguma ordem – ou talvez até simultaneamente –, o Irã atacaria a frota americana estacionada no Golfo Pérsico; a Síria mobilizaria o Hezbollah no Líbano para bombardear a fronteira norte de Israel; e, possivelmente, o Hamas lançaria mísseis em direção ao sul do território israelense.

Por tudo isso, EUA, Israel, União Europeia e a Otan não estão dispostos a pressionar Assad militarmente.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Por que é difícil aceitar os argumentos do Irã

A primeira resposta do governo iraniano ao relatório divulgado pela AIEA foi a mais óbvia de todas: deslegitimar a agência, claro. O argumento é até bastante válido. Para Teerã, o organismo é “politicamente motivado”. Esta é até uma posição que pode seduzir os mais inocentes e faz algum sucesso internacional. O que não se pode esquecer, no entanto, é que qualquer grupo ou entidade exerce sempre manifestação política sobre qualquer assunto. A própria ONU é um ator político internacional. Por que a AIEA – uma de suas agências – não seria?

Não se pode é, por conta desta conclusão óbvia (ela mesma uma manifestação política, diga-se de passagem), invalidar o relatório apresentado. Se a AIEA é uma instituição politicamente motivada, é bom lembrar que esta mesma instituição que o Irã tenta deslegitimar foi a maior opositora à invasão americana do Iraque, em 2003. Há menos de oito anos, ela manteve sua posição firme de que as armas de destruição em massa de Saddam Hussein se tratavam apenas de uma invenção do ex-presidente George W. Bush para justificar a nova ofensiva. Na época, quem contestou a posição da AIEA? Pois é.

O programa nuclear iraniano atrai a preocupação de boa parte do mundo por culpa mesmo de seus próprios governantes. Ora, este é o mesmo regime que não desperdiçou nenhuma oportunidade de afirmar publicamente o desejo de “varrer Israel do mapa”. Se é bravata ou mera provocação, não faz nenhuma diferença, sinceramente. Como se pode exigir que um membro da ONU aceite que outro membro da ONU que sempre fez questão de demonstrar tais intenções obtenha armamento capaz de transformar tal manifestação em realidade?

Acredito que Israel faria oposição às ambições nucleares do Irã mesmo se Ahmadinejad fosse menos radical em suas posições. Isso por conta da doutrina israelense de defesa sobre a qual comentei nesta quarta-feira. No entanto, este seria um assunto muito menos polêmico. Há alguns jornalistas e comentaristas que tentam relativizar a situação. É difícil compreender seus pontos de vista. Trabalham com uma lógica torta de que Teerã simplesmente quer entrar para um “clube” do qual já fazem parte outras potências nucleares. Seria uma espécie de direito de igualdade. Isso não faz o menor sentido. Em primeiro lugar porque a tendência é de diminuição dos arsenais nucleares, não de corrida para obter ainda mais armamento; em segundo porque o Irã não está ameaçado por qualquer outro país com arsenal atômico (diferente dos vizinhos nucleares Índia e Paquistão, por exemplo).

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Revelações sobre programa nuclear do Irã colocam todo mundo em maus lençóis

O relatório divulgado no final da tarde desta terça-feira (horário de Brasília) pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) simplesmente confirmou com mais dados e informações o que todo mundo já sabia: o programa nuclear iraniano tem fins militares. Este é o tipo de evento que divide não apenas os países, mas as próprias estratégias a serem adotadas a partir de agora. Como um leitor comentou no meu último post sobre o assunto, “não fazer nada não é uma opção”. Ele está certo. E esta certeza compartilhada pela União Europeia, EUA, Israel e até pelos Estados árabes sunitas é que muda o jogo definitivamente.

Estão lançadas algumas das pergunta que tiram o sono de boa parte dos líderes mundiais: como impedir o Irã de obter armamento nuclear? O mundo está disposto a aceitar que o regime de Teerã dê este salto estratégico? No caso específico de Israel, o Estado judeu conviveria com esta nova realidade?

Pois é, não são questões fáceis de serem resolvidas. E certamente envolvem Israel e EUA e os posicionamentos de seus respectivos governos. Do ponto de vista israelense, a doutrina de segurança determinante a todas as decisões do país é até bastante simples de ser compreendida: nenhum inimigo regional ou ator que represente alguma ameaça pode estar em condições de igualdade ao Estado judeu. Isso porque a história israelense não permite que o país corra o risco de perder algum confronto. No caso específico do Irã, acho que ninguém contesta seus “atributos” de inimigo e ameaça a Israel, certo?

Diante desta realidade, Jerusalém tem na prática que escolher entre duas opções muito difíceis: atacar o Irã – mesmo sem o apoio dos EUA e da comunidade internacional, se for este o caso – ou abrir um precedente único e histórico em sua doutrina de segurança e conviver com a sombra de um regime liderado por Khamenei e Ahmadinejad aditivado por uma bomba atômica capaz de mandar Israel pelos ares num aperto de botão. Para ser bastante franco, os israelenses não vão correr este risco. Se Teerã não interromper seu programa nuclear de uma maneira ou de outra, os iranianos serão impedidos militarmente e, se necessário, unilateralmente.

A discussão nos EUA neste momento diz respeito à disposição de Barack Obama de levar a sério esta iniciativa. Assim como abordei este assunto na última sexta-feira, muita gente tem feito o mesmo. A variável das eleições no ano que vem tem sido citada, claro. Eu concordo com ela e também me aprofundei nesta questão, inclusive. Possivelmente, a Casa Branca vai tentar de todas as formas convencer os membros do Conselho de Segurança da ONU, por um lado, e Israel, de outro, de que as medidas são fundamentais e capazes de frear o planejamento do Irã.

A tendência mesmo é que os israelenses esperem por algum período até tomar alguma atitude. O problema é que este prazo não é indefinido e talvez novembro do ano que vem seja tempo demais. E aí caberá a Obama uma das questões mais complicadas enfrentadas por um presidente americano nos últimos tempos: atacar o Irã, aumentando os gastos em tempo de crise ao iniciar uma nova guerra no Oriente Médio; ou não fazer nada e correr o risco de passar à história como o líder que colocou a própria existência do Estado de Israel em risco.

Irã nuclear: aviso aos leitores

Em meio a tantas questões internacionais igualmente importantes, optei por dedicar o texto desta quarta-feira ao relatório da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) com novas revelações sobre o programa nuclear iraniano. A escolha segue uma lógica editorial, uma vez que os assuntos relacionados ao Oriente Médio têm sempre destaque por aqui. Mais tarde, publicarei o post.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Se a crise grega se aprofundar na Itália, o euro correrá mais riscos do que nunca

O primeiro-ministro grego, George Papandreou, topou o jogo político do possível e pediu demissão. Um governo de coalizão deve ditar os rumos da Grécia a partir de agora. No entanto, há uma grande contradição nisso tudo: o próximo líder do país será nada mais do que uma figura representativa dos interesses da União Europeia. Afinal, não há opções a serem feitas, mas é preciso armar um teatro de conformidade capaz de enfiar goela abaixo da população as mais duras medidas restritivas já vistas. A verdade é uma só: em menos de uma década, a Grécia passou de país mais rico do balcãs a protagonista da crise que pode dar fim à UE como a conhecemos hohe.

Foto: Berlusconi tem uma bomba nas mãos pior do que qualquer um de seus muitos escândalos

A ideia é cortar de cara 50% dos débitos. Mas, mesmo este corte inicial está longe de resolver os problemas. A redução em 100 bilhões de euros ainda mantém a dívida em 256 bilhões de euros. Assim, contraditoriamente, a ajuda que o país receberá ao aprovar o pacote de medidas restritivas passa como trocado. O plano prevê que este furacão político será recompensado pela liberação da parcela inicial de oito bilhões de euros. Em perspectiva, tudo soa mais trágico, não?

Aos gregos, o euro sofreu uma grande transformação. A moeda era vista como o passaporte de igualdade no bloco, a senha que confirmaria um caminho de desenvolvimento e oportunidade. Agora, no entanto, para manter o euro, os gregos precisam abrir mão do mínimo de qualidade de vida. Para ser bastante franco, acho que é muito claro que há uma geração grega perdida. Ou emigram ou levarão uma vida muito ruim por tempo indeterminado.

A próxima “vítima” dos mercados deve ser a Itália. A tendência é que a crise se espalhe e se aprofunde por mais países. O caso italiano, porém, deve ser ainda mais grave. A visão em perspectiva ajuda novamente. Todo este problema na Grécia será mínimo se comparado à Itália. A economia grega é responsável por apenas 2% do Produto Interno Bruto (PIB) da zona do euro. Já a Itália é a terceira maior economia do bloco, atrás apenas de Alemanha e França. Se o governo de Roma não for capaz de conter esta onda de crise, o euro estará seriamente em risco.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

A guerra com o Irã e o dilema de Obama

Num desses telejornais noturnos que encerram o ciclo de notícias e análises do dia vi uma explicação de um professor brasileiro sobre a eventual ofensiva ao Irã. Segundo sua posição, Israel teria interesse nesta guerra de forma a acabar com seu próprio isolamento diplomático. Por mais que respeite as muitas teorias que se criam em torno de uma possibilidade militar como esta em questão, não concordo com ela. E por razões bastante simples, que tem a ver com o texto publicado por aqui nesta quinta-feira: ora, por mais que as alianças internacionais israelenses estejam enfraquecidas, a vida do país não está parada ou ameaçada (pelo menos não é esta a situação que se possa enxergar num curto prazo).

Já uma guerra aberta com os iranianos representa problemas sérios e práticos – dentre eles, inclusive, o risco de Teerã lançar armas atômicas sobre o Estado judeu. Tenho certeza absoluta que, por mais doloroso aos líderes israelenses este isolamento internacional, jogar com a própria existência do país para reforçar laços não é uma estratégia inteligente ou que faça algum sentido. E, ora, estamos falando de um governo conduzido por Benjamin Netanyahu e pelo ministro das Relações Exteriores Avigdor Lieberman. Se as alianças internacionais de Israel tivessem sido prioridade em algum momento desde 2009, este governo teria tido outra atitude em praticamente todas as questões que dizem respeito à política externa. Como se sabe, não foi este o caso.

Agora, conforme prometido, alguns dados importantes sobre prazos que podem vir a determinar o período deste eventual – e fatal – confronto militar: um aspecto fundamental diz respeito à produção de armamentos do Irã. Segundo especialistas militares, em dois anos o país terá obtido seu sistema de mísseis balísticos. Além desta questão prática, há também os interesses políticos que correm em paralelo. Em novembro do ano que vem, o presidente Obama concorrerá à reeleição e precisará apresentar resultados positivos aos cidadãos-eleitores americanos. Na área internacional, dará ênfase à retirada praticamente completa dos soldados do Iraque, à derrubada de Kadafi, na Líbia, ao assassinato de Bin Laden e à acomodação no Afeganistão.

A partir daí, é preciso uma leitura um pouco mais aprofundada. Há duas opções em jogo: não fazer nada até as eleições, dando ainda mais prazo aos iranianos; ou entrar numa nova guerra no Oriente Médio – possivelmente, a mais complexa e arriscada delas. Se análise fosse aposta, eu apostaria que o presidente americano optará por novas sanções, freando qualquer ímpeto militar das lideranças políticas em Israel. Isso porque mandar mais americanos para morrer no exterior é o tipo de ordem que pode ameaçar de verdade o projeto de reeleição de Obama. No entanto, a situação do presidente é complicada mesmo. Se não fizer nada e de fato Teerã obter armamento nuclear a ser usado contra Israel, será acusado com veemência pelos republicanos. Afinal, este é o tipo de evento que altera a balança regional e coloca os israelenses pela primeira vez numa situação de empate com um vizinho declaradamente inimigo.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Na guerra de EUA e Grã-Bretanha com o Irã, Israel é o país que tem mais a perder

O programa nuclear iraniano está de volta às manchetes. Isso porque a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) deve liberar, na próxima semana, um novo relatório com evidências de que a República Islâmica está, de fato, bem perto de produzir armamento atômico. Ao contrário do que as autoridades de Teerã afirmam, os fins não seriam pacíficos, mas militares. Segundo o britânico Telegraph, uma das principais informações deste documento a ser divulgado dá conta de que os iranianos estariam transportando urânio enriquecido das instalações de Natanz para Fordow (foto de satélite), próxima à cidade de Qom; o que causa ainda mais suspeita é o fato de esta base estar localizada no subsolo e revestida por material capaz de resistir a bombardeios.

Este é o início da retomada das discussões, é o detonador que inicia todos os demais movimentos. Segundo o jornal britânico Guardian, a nova exposição da AIEA deve ser um “game-changer”, ou seja, as informações serão tão contundentes que mudarão o cenário atual. Apesar de quatro rodadas de sanções aprovadas no ano passado, a organização deve provar com informações incontestáveis que os iranianos continuam a buscar armamento nuclear. A partir daí, caberá aos países que pretendem impedir o sucesso do Irã buscar outras opções.

À frente desta empreitada estão EUA e Grã-Bretanha. Entre os britânicos, inclusive, há certa animação para atacar o Irã. O Ministério da Defesa já trata, em linhas gerais, de como será esta guerra. Poucos soldados em terra e uso intenso das forças aéreas e navais. A frota já estuda os melhores pontos de ataque para o lançamento de mísseis Tomahawk. Mas onde fica Israel nessa história? É bom deixar claro que o Estado judeu é o maior interessado no assunto, sob todos os pontos de vista a serem analisados.

Israel é o país a que o Irã se refere como o que “deve ser varrido do mapa”. Israel é único que fica no Oriente Médio e alvo principal das provocações verbais iranianas; o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu é a figura política internacional a enumerar sempre que pode as ameaças iranianas, levá-las a sério e, também, mostrar entusiasmo quando se cogita a possibilidade de um ataque às bases nucleares da República Islâmica. No entanto, atacar o Irã também significa pôr um enorme alvo no território israelense, nas representações do país no exterior e nas comunidades judaicas espalhadas pelo mundo.

Por tudo isso, esta é a grande discussão do momento em Israel. E, claro, não há unanimidade. Pesquisa encomendada pelo jornal Haaretz mostra uma divisão profunda: 41% dos entrevistados apoiam; 39% são contrários. Há ainda 12% de indecisos. Esta indecisão nacional é fruto de uma retroalimentação com o alto-escalão de poder. Enquanto Netanyahu e o ministro da Defesa, Ehud Barak, aparentam ânimo de frear as ambições nucleares iranianas militarmente, os que executariam tal tarefa mostram cautela. Figuras-chave da área de segurança e do exército não querem fazer o serviço. Pelo menos, não agora.

Se a britânicos e americanos uma guerra com o Irã acarretaria críticas internacionais, os israelenses teriam muito a perder na prática. A retaliação de Teerã seria pesada, uma vez que os mísseis de que dispõem alcançam qualquer cidade de Israel. Além disso, seus aliados na fronteira com o Estado judeu certamente iriam agir; o Hezbollah, na fronteira norte, e o Hamas, no sul. Entre todos os atores envolvidos num eventual ataque, Israel sem nenhuma dúvida receberia os danos mais graves. Mas há outros fatores que talvez empurrem o Oriente Médio para mais uma guerra. Este é um assunto para o texto desta sexta-feira.