A Liga Árabe anunciou que pretende suspender a Síria da organização se até quarta-feira o governo de Bashar al-Assad não acabar com a violência contra os manifestantes populares, retirar seus blindados das cidades, libertar prisioneiros políticos e começar a dialogar com a oposição. É pouco provável que tantas mudanças aconteçam neste breve período de tempo. O que é importante ressaltar nisso é a própria decisão da Liga Árabe, um gesto político pouco comum de uma instituição que, sob seu “guarda-chuva”, aglutina outros Estados que infringem os direitos humanos tanto quanto a Síria.
É claro que esta decisão é digna de nota, principalmente porque demonstra um posicionamento positivo. Afinal de contas, apesar das inúmeras contradições intrínsecas à organização, não se pode esquecer que se trata de uma manifestação favorável não apenas à população comum da Síria, como também aos muitos manifestantes em diversos pontos do mundo árabe. No entanto, o poder de pressão da Liga Árabe é limitado. Diante da real e provável possibilidade de o regime Assad não atender às exigências, o que poderá ser feito? Nada, para ser bastante franco. Os exércitos árabes não se mobilizarão para conter o presidente sírio e sua matança de civis que, segundo a ONU, já tirou a vida de 3,5 mil pessoas desde março deste ano.
Num cenário mais amplo e estratégico, a quase unânime condenação a Damasco (com a aprovação de 19 dos 22 países-membros) está relacionada também à batalha silenciosa (cada vez menos silenciosa, diga-se de passagem) entre Estados sunitas e xiitas da região. Os sunitas – Egito, Qatar, Jordânia, Arábia Saudita, para citar os mais relevantes – disputam com os xiitas e seus aliados – Irã, Síria, Hamas e Hezbollah – a liderança do Oriente Médio. Já tratei deste assunto inúmeras vezes por aqui, mas é sempre importante retornar a ele na medida em que boa parte dos assuntos se relaciona a esta oposição mais ampla. A Liga Árabe e sua decisão de condenar a Síria acaba por deixar esta disputa ainda mais evidente.
Aliada ao Irã, a Síria é um dos atores regionais mais importantes do Oriente Médio. Por seu poderio militar e posição geográfica estratégica, é também um dos que causam maior preocupação. Ao colocar os sírios contra a parede, a Liga Árabe também acaba, por consequência, expondo a situação de impasse que se configura: uma ofensiva militar ocidental para derrubar Assad causaria grandes estragos regionais e transformaria a guerra retórica existente entre sunitas e xiitas num conflito de fato. Os acontecimentos que se sucederiam a partir do início de uma eventual iniciativa como a que derrubou Kadafi na Líbia são tão previsíveis que, sem medo de errar, apresento-os agora: em alguma ordem – ou talvez até simultaneamente –, o Irã atacaria a frota americana estacionada no Golfo Pérsico; a Síria mobilizaria o Hezbollah no Líbano para bombardear a fronteira norte de Israel; e, possivelmente, o Hamas lançaria mísseis em direção ao sul do território israelense.
Por tudo isso, EUA, Israel, União Europeia e a Otan não estão dispostos a pressionar Assad militarmente.
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