Quando eu colocava muitas barreiras antes de classificar a derrubada de Hosni Mubarak, no Egito, como uma revolução era porque temia que o termo fosse banalizado. O que está acontecendo neste instante no Cairo mostra que é preciso mais cuidado do que entusiasmo ao se analisar um fenômeno político. Ninguém discute que a queda do presidente egípcio que comandou o país por 30 anos seja um evento de grande importância, tanto que se insere num contexto mais amplo de mudanças regionais. No entanto, não se trata de uma revolução. Pelo menos, não ainda.
Revolução é reforma, mudança de paradigma mesmo. Se – ou quando – houver uma democracia de verdade no Egito, aí sim a revolução terá de fato existido. Por ora, o que se vê é simplesmente o poder mudando de mãos. O Conselho Supremo das Forças Armadas (CSFA) que controla o país deveria ser, em tese, um mero instrumento de transição entre o fim da ditadura Mubarak e a posse de um governo civil democraticamente eleito. No entanto, há cada vez mais sinais de que os militares não estão dispostos a largar o osso tão facilmente. Por conta disso, a mesma dinâmica de manifestações que derrubou o ex-presidente voltou a tomar a simbólica Praça Tahrir (talvez o lugar mais importante do ano em todo o mundo). A diferença está na reação do exército.
Se em fevereiro deste ano os militares contrariaram as ordens de Mubarak e se uniram aos protestos, desta vez agiram de maneira distinta. Segundo dados oficiais, já há mais de 1,5 mil feridos e 23 mortos. E aí fica a questão: a menos de uma semana das eleições parlamentares, por que agir desta maneira? Por que o padrão de comportamento militar mudou de forma tão abrupta? A atuação do CSFA desde sábado também coloca em dúvida a própria capacidade deste governo transitório de realizar eleições limpas.
Os egípcios estão ansiosos para mudar o país. Não apenas pelas décadas de Mubarak, mas também pela força que a população percebeu deter ao ir às ruas e forçar o fim da ditadura. No entanto, se as eleições da semana que vem ficarem sob suspeita, ninguém sabe qual será o futuro não apenas do Egito, mas também da Primavera Árabe e da própria atuação americana na região. Por ora, os EUA têm trabalhado em silêncio ao lado do CSFA, na esperança de que a situação se normalize e os militares cumpram o prometido de não intervir no processo político. Mas, se o exército for acometido por um desejo incontrolável de tomar o poder (e já há rumores de que o regime de transição planeja realizar eleições presidenciais somente em meados de 2013), Washington irá se afastar desta administração militar.
E aí algo curioso deve acontecer: os 3 bilhões de dólares anuais de ajuda americana podem ser suspensos até que a democracia seja restabelecida no Egito. Afinal de contas, o que a Casa Branca menos precisa agora é perder um aliado estratégico por ser identificado com o estabelecimento de mais uma ditadura no Oriente Médio.
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