sexta-feira, 29 de maio de 2009

Atentados no Irã podem representar disputas políticas e militares da região

Depois dos seguidos atentados terroristas promovidos pelo Talibã no Paquistão, foi a vez de o Irã ser o alvo do extremismo. Ontem e hoje dois ataques causaram mortes e uma boa dose de estranhamento. Por que o país de Ahmadinejad – cujos discursos e ações definitivamente não se contrapõem ao terrorismo – foi a vítima do momento?

É difícil entender a lógica da situação, mas quando se analisa o quadro mais amplo é possível elencar algumas possibilidades. Antes de apresentá-las, porém, sinto-me na obrigação de expor que sou completamente avesso a teorias da conspiração. Não creio em nenhuma delas e acho que a humanidade perdeu e assassinou demais em nome desse tipo de bobagem.

Dito isso, vamos aos fatos: em menos de duas semanas ocorrem as eleições no Irã. Na dicotômica luta pelo poder na República Islâmica, dois grandes grupos repletos de heterogeneidade podem ser listados: os conservadores – cujo maior expoente é o próprio presidente Ahmadinejad em busca da reeleição – e os moderados – Mirhossein Mousavi é seu principal candidato.

A população rural está em grande parte com Ahmadinejad, enquanto a urbana, com Mousavi. Este último declarou hoje que, se eleito, pretende adotar uma política conciliatória com o ocidente, tendo inclusive chamado o atual presidente iraniano de extremista.

“Não vamos abandonar nosso direito à tecnologia nuclear, mas estamos prontos a dar garantias de que ele (o programa nuclear) não tem como objetivo a fabricação de armamento”, disse à agência Reuters.

Hoje, um comitê de campanha de Ahmadinejad foi atacado por atiradores. Uma criança e dois adultos foram feridos. Na quinta-feira, uma explosão causada por um homem-bomba numa mesquita xiita deixou 19 mortos. Um grupo terrorista sunita assumiu a autoria do atentado.

Antes disso, porém, oficiais iranianos se apressaram em afirmar que os EUA estavam envolvidos no ataque – fato rapidamente e obviamente negado pelo governo americano. Oficiais esses aliados de Ahmadinejad.

Não sei se o próprio Ahmadinejad – em queda nas pesquisas e rejeitado pela intelectualidade iraniana – poderia se beneficiar dos dois atentados de modo a tornar a disputa eleitoral ainda mais polarizada e reafirmar seu potencial como o melhor contraponto aos Estados Unidos, a Israel e ao ocidente.

Por outro lado, o ataque à mesquita xiita pode ser uma prévia do grande conflito silencioso que se forma no mundo muçulmano: a batalha entre sunitas e xiitas.

Como escrevi anteriormente (leia aqui), uma provável ação militar israelense para deter o avanço nuclear iraniano colocaria em rota de colisão os países xiitas – capitaneados pelo próprio Irã – e os sunitas Arábia Saudita, Egito, Jordânia e Marrocos.

Talvez este ataque à mesquita tenha qualquer conexão com esta grande disputa militar. Mas, por enquanto, tudo não passa de mera especulação. 

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Esperanças de paz morrem a cada dia na Ásia

Em complemento ao texto de ontem, os fatos de hoje apresentam as conclusões quase imediatas de que pode ser impossível voltar atrás no momento de corrida armamentista e, pior, de descontrole total de Ásia e Ásia Central.

Pela primeira vez em muitos anos, começa a tomar corpo no Japão a discussão sobre se o país deve recorrer à busca por um arsenal atômico próprio. O tema é tabu para os japoneses, principalmente pela lembrança mais do que viva das bombas de Hiroshima e Nagasaki.

A opinião dos japoneses é em parte fatalista. E eles têm uma boa dose de razão nisso principalmente pelo Japão ser um dos possíveis alvos no caso de um ataque norte-coreano.

“A ameaça cresceu e devemos desenvolver nosso próprio arsenal nuclear. A Coreia do Norte vai continuar os testes até possuir mísseis capazes de atingir os Estados Unidos”, diz Toshio Tamogami, ex-comandante da Força Aérea japonesa.

Apesar disso, a questão está bem longe de ser unanimidade. Pesquisa de um canal de televisão japonês realizada em 2006 mostrava que somente 10% dos entrevistados eram favoráveis ao desenvolvimento de armas nucleares pelo país.

Na outro grande motivo de instabilidade da região, dois novos atentados realizados pelo Talibã atingiram hoje a cidade de Peshawar, no noroeste do Paquistão. Seis pessoas morreram e mais de 70 ficaram feridas.

Para se ter a exata noção de quem são os membros que compõem o Talibã, vale reproduzir o que disse Hakimullah Mehsud, “pessoa” com conexão direta ao chefe do Talibã paquistanês, Baitullah Mehsud.

A conversa telefônica foi interceptada pelas autoridades de segurança do Paquistão e mostra bem o que pensam os membros da organização terrorista.

“Os ataques devem ser direcionados às casas dos soldados. Assim, seus filhos serão mortos e aí eles vão perceber”.

Não fica claro a que ele se refere quando menciona a percepção. Mas isso não faz a menor diferença. O que é fundamental é notar os inexistentes padrões éticos, morais e minimamente humanos do grupo. É difícil ter qualquer esperança de solução pacífica quando uma declaração como a acima vem a público.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Atentado no Paquistão dá contornos dramáticos à situação na Ásia

O gravíssimo atentado de hoje a Lahore, no Paquistão, matou 30 pessoas e deixou mais de 250 feridos. O alvo não eram os soldados das forças do país que combatem o Talibã no Vale do Swat, mas os civis da cidade considerada a capital cultural. Alguém ainda consegue ter coragem para excluir o Talibã da lista de organizações terroristas?

Curiosamente, o ataque foi direcionado ao quartel-general do serviço de inteligência, as ISI (sigla em inglês). É uma retaliação pela intensa luta que vem sendo travada e que já deixou mais de um milhão de refugiados. Mas vale lembrar que nas fileiras das ISI muitos compartilham da ideologia fundamentalista apoiada em atos talibãs. Por isso parece estranho que seu QG tenha sido atingido pelas bombas terroristas.

Mas como a situação não é tão simples, existem outras versões. Lahore é tudo aquilo que o fundamentalismo mais odeia. Uma cidade cultural e que, ao contrário da maior parte do país, conseguiu se manter relativamente estável após a onda de mudanças que tomou conta da Ásia Central depois de 11 de Setembro de 2001.

Oficiais de segurança do Paquistão defendem também a tese de que Lahore foi escolhida por ser o lar de boa parte do exército punjab paquistanês (punjab é a província mais desenvolvida e populosa e Lahore é sua capital). Acho que as duas teses podem estar corretas e não necessariamente precisam ser excludentes.

O ataque de hoje mostra como a situação está por um fio. Não apenas no Paquistão – onde a estabilidade já não existe mais –, mas em toda a Ásia. Com a ambição nuclear norte-coreana tomando proporções cada vez mais catastróficas, existe a possibilidade de em maior ou menor grau a região ser tomada pelos seguintes cenários:

Intervenção militar envolvendo China, Japão, Rússia e Coreia do Sul sobre o governo de Pyongyang – ah, nada garante que esses países estarão todos do mesmo lado; uma ação militar israelense – com ou sem apoio americano – com o propósito de impedir o desenvolvimento de armas atômicas no Irã; e uma guerra aberta que pode colocar de um lado Paquistão, OTAN e soldados americanos, e de outro, Talibã e al-Qaeda.

Acredito que pelo menos um desses três cenários deve se concretizar até o final do ano. Mas, como sempre repito, no caso do Irã, a situação só ficará mais clara após as eleições presidenciais no país, em 12 de junho. As outras duas possibilidades podem se tornar reais à medida que os discursos e ações forem expostos entre esta e a próxima semana.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa

Por que algumas ameaças nucleares valem mais do que outras? É essa a pergunta que todo mundo deveria se fazer hoje, ainda sob o impacto do segundo teste com este tipo de armamento realizado pela Coreia do Norte.

Talvez haja mais do que uma única resposta para esse questionamento. O que me vem à cabeça neste instante é que a crítica internacional cravou a ambição de Pyongyang como um simples “raison-d’être” do combalido e moribundo líder Kim Jong-il. Ele quer fazer seu sucessor e para isso envolve seu país (mais seu do que qualquer outro país) numa espiral nacionalista.

“A glorificação das bombas nucleares pelos veículos de comunicação doméstica objetiva angariar apoio popular para uma causa nacional”, diz hoje editorial do prestigioso The Economist.

“A última provocação de Kim Jong-il não deve causar justamente a resposta que ele busca: uma correria da administração Obama oferecendo-o favores econômicos e políticos”, é a posição do Washington Post, um dos principais jornais americanos e o mais importante da capital.

A imprensa internacional se conformou com o teste nuclear norte-coreano. Bastou encontrar um motivo para justificá-lo e pronto. É como se não significasse nada o fato de um dos regimes mais obscuros do planeta resolver voltar a fazer experiências com armamento de capacidade devastadora.

Por outro lado, entretanto, a resposta oficial é completamente diferente.  Ministros das relações exteriores europeus e asiáticos divulgaram comunicado condenando os testes e pedindo o retorno imediato às negociações.

Diplomatas da ONU também começaram a redigir uma resolução contra os testes conduzidos nesta segunda-feira.

O caso é bastante oposto ao tratamento dado à escalada nuclear iraniana. Alguns setores da imprensa internacional acreditam que o Irã merece mais tempo e diálogo; outros acreditam que quanto mais tempo passar, mais oportunidade Ahmadinejad terá de desenvolver seu programa nuclear para fins nada pacíficos.

Já a resposta institucional às ambições iranianas é exatamente oposta ao tratamento dado aos norte-coreanos. Nada de sanções por ora. Muito menos há governos ocidentais realmente preocupados com a república islâmica.

E por que será que ninguém se deu ao trabalho de comparar os dois casos? Pelo simples fato de ser incômodo expor tantas contradições e incoerências de todas as partes envolvidas.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Velhos dilemas da velha Europa

As eleições para o Parlamento Europeu estão marcadas para ocorrer entre os dias 4 e 7 do mês que vem. O pleito é realizado em cada país e os assentos são divididos de acordo com o tamanho da população. Assim, a Alemanha, por exemplo, é quem tem direito ao maior número de cadeiras (99) justamente por conta de seus mais de 80 milhões de habitantes.

 

Mas a votação acontece polarizada pelo velho confronto entre direita e esquerda. Não exatamente um lado contra o outro, mas cada uma das partes tentando evidenciar que seus projetos representam parte da solução contra a crise financeira.

 

E surge aí um velho, perigoso e conhecido problema: o extremismo de direita que se fortalece diante de um cenário de desemprego, falta de perspectivas e encolhimento da economia.

 

Em dois dos principais membros da União Europeia essa guinada à direita começa a acontecer. Na Alemanha – cuja taxa de desemprego está em 8,6% e com perspectivas de aumentar – Horst Koehler conseguiu a reeleição para a presidência neste sábado. Ele não chega a ser um extremista, mas sua vitória pode evidenciar uma tendência nos países do bloco.

 

O caso mais grave, sem dúvida, é a Itália. Berlusconi conseguiu com que o parlamento aprovasse uma super polêmica lei de “segurança interna”, que torna crime a imigração ilegal.

 

Outro ponto criticável da nova legislação italiana permite a denúncia judicial de clandestinos no país. Por exemplo, incentiva a formação de “associações de cidadãos”. Esses grupos poderão fiscalizar a presença de imigrantes ilegais e denunciá-los. Isso me lembra algumas práticas comuns na Europa da década de 1930. Ah, antes que me esqueça, 76% dos italianos aprovam as medidas. Os principais alvos de Berlusconi são os ciganos.

 

A Grã-Bretanha também observa o crescimento do Partido Nacional Britânico (BNP, em inglês). Com slogans do tipo “empregos britânicos para britânicos”, a legenda espera conseguir uma vaga no Parlamento Europeu.

 

Por outro lado, os partidos de esquerda veem essas eleições como uma oportunidade de se legitimarem ideologicamente. Boa parte deles tentará provar durante a campanha que o capitalismo estava errado e foi ele quem provocou esta crise. Particularmente, acho essa demanda da esquerda a menos grave.

 

As eleições europeias devem ser marcadas por este confronto ideológico. Sejam quais forem os resultados, sem dúvida serão os imigrantes quem deverão sofrer as consequências práticas.

 

O tempo passa e os dilemas na Europa permanecem os mesmos.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Irã nuclear: não há mais tempo para ingenuidade

Nesta semana quase integralmente dedicada aos desdobramentos do encontro entre Benjamin Netanyahu e Barack Obama, o Irã ocupa o centro do debate internacional. Não apenas por conta do bem sucedido lançamento de seu mais novo míssil de longo alcance, mas pelo início da campanha eleitoral no país e também por mais uma declaração polêmica do presidente – igualmente em campanha – Mahmoud Ahmadinejad.

A verdade é que poucos veículos deram a devida atenção, mas o presidente iraniano mostrou mais uma vez seu desprezo pelo ocidente. Num pronunciamento em que lembra com orgulho a controversa participação na conferência contra o racismo, Ahmadinejad disparou:

“Todos testemunhamos os europeus isolados. Eles colocaram seus ‘rabos nos ombros’ e deixaram a sala, mas outros países apoiaram o Irã”, disse.

Antes que ocorra um grande mal-entendido, a expressão ‘rabos nos ombros’ em persa é o equivalente ao nosso “colocar o rabo entre as pernas”.

Definitivamente, essas não são as palavras usadas por alguém cujo objetivo é resolver os problemas com o ocidente.

Tendo em mente esta informação, como evitar que o Irã se torne nuclear?

Ninguém analisou a situação com mais propriedade do que John P. Hannah, em artigo no Washington Post. Sem vícios de origem – ele é membro do Instituto de Políticas do Oriente Médio na capital americana e foi conselheiro do ex-vice-presidente e odiado internacional Dick Cheney entre 2005 e 2009.

Mas sua análise tem propriedade. Ele foi o primeiro a buscar entender a crise atual a partir de casos semelhantes ocorridos no passado. Por mais que não seja uma ciência exata, este exercício pode ajudar na busca de alternativas. Mais que isso, mostra que não resta outra opção a não ser aguardar os resultados das eleições iranianas, em 12 de junho.

“Estados hostis tendem a aceitar o processo de desnuclearização como resultado de uma mudança de regime, diplomacia coercitiva ou ações militares, não a partir de apelos dos EUA por respeito mútuo”.

“Considere os fatos: a África do Sul abandonou seu arsenal nuclear em 1990 somente após o fim do apartheid. Bielo-Rússia, Cazaquistão e Ucrânia fizeram o mesmo depois que se tornaram países independentes graças ao colapso da União Soviética”.

“Nos anos 1980, a decisão de Brasil e Argentina de interromperem seus programas nucleares estava ligada à transição de ditaduras militares para democracias liberais”.

Considero esta análise perfeita. No caso iraniano, não há fórmula mágica ou sonhos idílicos de que num momento qualquer o país irá abrir mão de suas pretensões militares regionais em troca de uma cerimônia pomposa e midiática em Camp David.

As opções são claras. Quem deseja um Irã sem armas nucleares deve torcer para a derrota de Ahmadinejad. Caso isso não ocorra, o realismo nas relações internacionais já diz quais as alternativas: ação militar ou isolamento econômico do país.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Em tempo recorde, presença de Netanyahu nos EUA já surte efeito

Imaginava que a repercussão da primeira visita do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, a Washington continuaria ao longo desta semana. Só que as medidas, declarações e atitudes tomaram proporções muito grandes e rápidas. Não poderia deixar de ser assim no momento em que os líderes mundiais percebem que algo de muito significativo está para acontecer amanhã. O final de ano é amanhã.

É claro que os primeiros furos de reportagem viriam de Washington, onde a delegação de Israel realiza encontros. A vaidade humana misturada à estratégia política facilita o vazamento de informações. A mais importante delas, e publicada pela edição de hoje do Washington Times com exclusividade, dá ainda mais crédito ao sucesso do poder de argumentação de Bibi com as autoridades americanas.

O jornal informa que EUA e Israel acordaram a criação de um grupo de trabalho para avaliar o progresso da abertura de diálogo com o Irã, além de compartilhar informações de inteligência sobre o programa nuclear da república islâmica.

Essa é uma tremenda reversão de crise, expressão muito usada no mundo do trabalho de hoje. Há uma enorme diferença entre o ambiente de desconfiança com que a delegação de Israel foi recebida para, no dia seguinte, este consenso sobre a urgência de se debruçar sobre a questão iraniana.

Em contrapartida, por mais que Bibi não tenha mencionado palavra aos jornalistas sobre a expansão dos assentamentos judaicos na Cisjordânia, hoje mesmo o ministro da defesa do país, Ehud Barak, adotou uma postura firme sobre o assunto. Ele comunicou ao grupo porta-voz do movimento (Yesha, em hebraico) que o atual governo israelense está disposto a usar inclusive a força para desmantelar as colônias consideradas ilegais – cerca de cem.

E o argumento usado por Barak mostra que as autoridades estão realmente temendo um perigosíssimo desgaste com o governo Obama: “os assentamentos ilegais causam danos consideráveis a Israel no cenário internacional”. Por cenário internacional, entenda-se Estados Unidos. O Estado judeu sabe que não pode prescindir do apoio americano. Muito menos agora.

Do outro lado da moeda desta disputa internacional igualmente interessante e assustadora, o Irã realizou hoje com sucesso testes de lançamento do míssil Sajjil-2, que tem alcance de até dois mil quilômetros, podendo atingir Israel e as bases militares do EUA na região. É, sem dúvida, uma resposta ao encontro entre os líderes americano e israelense

Como curiosidade – e isso tem importância menor diante dos demais fatos –, o lançamento da arma iraniana provocou a suspensão da visita do ministro das relações exteriores da Itália, Franco Frattini, ao Irã. Mahmoud Ahmadinejad insistiu que o encontro fosse realizado em Semnan, local do lançamento de hoje. O presidente iraniano é de uma sutileza única. 

terça-feira, 19 de maio de 2009

Bibi leva pequena vantagem em reunião com Obama

As consequências do frio encontro entre Obama e Bibi já começam a aparecer. E as declarações de bastidores não me surpreendem. A primeira delas é dura e vem de um oficial israelense que pediu anonimato ao ser ouvido pelo Canal 10 – também de Israel.

Israel vai ter de agir por conta própria para impedir o desenvolvimento nuclear iraniano até o final deste ano, caso o diálogo direto proposto pelo presidente americano não seja capaz de frear as ambições atômicas de Mahmoud Ahmadinejad.

Em texto publicado no último dia 17 de abril antecipei minha aposta de que um ataque israelense às usinas nucleares iranianas – mesmo sem apoio dos EUA – é bastante possível. Mais do que isso, provável.

O aguardado primeiro encontro entre Bibi e Obama durou mais tempo que o previsto, mas não promoveu o fim das desavenças entre os dois líderes recém-empossados.

Obama esperava que Netanyahu concordasse publicamente quanto à criação de um Estado palestino ao lado de Israel. Netanyahu, por sua vez, esperava de Obama maior condenação ao Irã. Nada disso aconteceu. Ou melhor, quase nada.

No embate teórico e retórico, o israelense se saiu um pouco mais vencedor que seu colega americano. Se Obama não divulgou um cronograma claro de até quando vai sua paciência em esperar um feedback positivo iraniano, ele ao menos declarou em público que os EUA “não vão conversar eternamente”.

Isso significa que Washington tem sim um limite. E Netanyahu não é nada bobo e na coletiva de imprensa disse ter entendido de sua conversa com o presidente americano que “todas as opções ainda estão na mesa”, uma expressão muito usada pela administração Bush para deixar claro que a alternativa militar deve ser considerada.  

Segundo o New York Times, o argumento apresentado pelo primeiro-ministro israelense foi bastante claro e este pode ter sido o fator determinante do fio-condutor das conversas desta segunda-feira sobre o Irã

“A lógica do ponto de Netanyahu foi: ‘o que você vai fazer se seu poder de diplomacia e sanções mais duras não funcionarem?’”, explica Aaron David Miller, ex-negociador para assuntos do Oriente Médio em mandatos democratas e republicanos.

Jogando as cartas na mesa sem meio-termo, Bibi conseguiu fazer com que a conversa girasse em torno dos interesses políticos do país que representa.

Como as próximas três semanas de trabalho de Obama serão em grande parte dedicadas a questões do Oriente Médio, muitas outras novidades ainda devem surgir. Nesta “batalha”, Israel marcou seus primeiros pontos diplomáticos.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Não é a Índia

Disposto a dedicar as próximas três semanas a eventos relacionados ao Oriente Médio, Obama foi surpreendido (?) por uma notícia que é no mínimo desanimadora: o congresso americano recebeu informações confidenciais de que o Paquistão está produzindo mais material nuclear. Justamente no momento em que os EUA comandam uma campanha internacional pela erradicação de armamentos desta natureza.

Para completar o transtorno, imagens de satélite evidenciam que há dois novos reatores de plutônio em construção a menos de 160 km de distância de onde hoje as forças regulares paquistanesas combatem o Talibã.

Sendo mais direto, o mundo está há menos da metade da distância entre Rio e São Paulo de uma hecatombe planetária de consequências imprevisíveis. Ninguém sabe o que pode acontecer se os talibãs tiverem o botão vermelho de tocar fogo no mundo em mãos. Vale lembrar que são esses os responsáveis por jogar ácido no rosto de mulheres que insistem na audácia de frequentar a escola...

Obama vive o dilema do cobertor curto: na semana em que se dedica ao Oriente Médio, o oriente mais distante traz dores de cabeça de grandes proporções. E vice-versa.

Controlar o caos que se instalou no Paquistão requer uma ampla visão de como o país foi constituído, no final da década de 1940. Mais de 60 anos depois, há poucos símbolos de união nacional e esta parece ser a raiz dos problemas atuais.

As etnias e o fundamentalismo ainda são as principais forças a conquistar corações e mentes. Por exemplo, em outubro do ano passado os EUA começaram a recrutar soldados da região de fronteira entre Paquistão e Afeganistão para combater o Talibã. Mas os recrutas eram em sua maioria da etnia pashtun – a mesma de boa parte dos talibãs. Não há possibilidade de convencer os soldados treinados pelos americanos a lutar contra seus “irmãos” étnicos.

Talvez isso explique em boa parte por que o Paquistão insiste em se voltar para uma corrida armamentista contra a Índia, mesmo tendo boa parte de seu território entregue ao Talibã numa tragédia humanitária que já provocou o êxodo de mais de um milhão de pessoas.

“O que é o Paquistão? Hoje ainda, quase 62 anos após sua fundação, a melhor resposta é simplesmente ‘não é a Índia’”, diz o colunista Bret Stephens, do The Wall Street Journal.

Amanhã uma primeira análise do aguardado encontro entre o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e o presidente americano, Barack Obama.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

A batalha do Líbano

Em menos de um mês, mais um capítulo importante da história do Oriente Médio está para ser escrito. Ou melhor, dois. Mas desta vez prefiro me deter sobre as eleições parlamentares libanesas, marcadas para o próximo dia 7. Já mencionei a tão esperada votação no Irã, prevista para a semana seguinte.

 

Apesar de pequeno, o simbolismo do Líbano é bastante significativo. Trata-se de um país ainda dividido étnica (xiitas, sunitas, druzos e alawites) e religiosamente (muçulmanos e cristãos). Por outro lado, é também a única democracia pró-ocidental no mundo árabe. E para complicar mais a situação, tudo isso pode estar prestes a mudar.

 

Como se sabe, o Hezbolah é um ator importante no país. E, dependendo do resultado nas urnas, pode ser alçado a um papel mais central. Caso a aliança comandada pelo grupo – que tem apoio logístico de Síria e Irã e laços ideológicos com o Hamas – consiga a vitória nas urnas, ninguém sabe como o Líbano atuará a partir de então.

 

Principalmente, nem os próprios norte-americanos sabem exatamente o que devem esperar caso o Hezbolah passe a ter ainda mais poder. E o Líbano é um aliado importante no instável equilíbrio da região. Segundo o The Washington Times, nos últimos três anos os EUA repassaram 1 bilhão de dólares ao governo de Beirute. Deste total, cerca de 410 milhões de dólares foram destinados ao fortalecimento das forças armadas libanesas.

 

O exército do país é um contraponto silencioso ao braço armado do Hezbolah. E por isso é tão necessário para Washington investir em sua afirmação como principal representação bélica.

 

Se o Hezbolah vencer, Síria, Irã e Hamas – que como explicado no texto da última segunda-feira, 11 de maio – também vão se considerar vitoriosos nesta pequena-grande batalha política que está para ocorrer.

 

Fundamental neste momento é saber de que lado as potências ocidentais devem se posicionar. Os EUA torcem claramente por uma vitória da aliança conhecida como “14 de Março” (nome dado em homenagem ao dia em que uma grande manifestação contra a influência Síria foi realizada em Beirute, em 2005), coalizão composta pela maioria dos parlamentares libaneses.

 

A Grã-Bretanha manifestou em março interesse de restabelecer diálogo com o Hezbolah, rompido desde 2005. Em 2008, os ingleses incluíram o grupo na lista de organizações terroristas.   


Enquanto Síria, Irã, Hezbolah, Hamas e Qatar agem coordenadamente, existe um grande desconforto e desinformação sobre como o ocidente vai proceder a partir de junho. Afinal, uma vitória do grupo xiita radical libanês – adepto de métodos terroristas – pode reverberar em todo o Oriente Médio.


quarta-feira, 13 de maio de 2009

Uma nova solução para o conflito entre israelenses e palestinos

A visita de papa Ratzinger a Israel, Jordânia e aos territórios controlados pela Autoridade Palestina levantou uma série de questionamentos. O passado de Bento XVI voltou ao centro das discussões. A mensagem da figura mais importante do catolicismo foi de paz, mas também política, já que defendeu a criação de um Estado palestino. Esse é um discurso internacionalmente aceito e inclusive bandeira diplomática do Brasil, por exemplo, além de ponto central da política externa americana.

Mas se é para entrar neste assunto, acho que é mais do que chegada a hora de resolver a questão. E aí meu ponto de vista é bastante parecido ao de Michael Bar-Zohar, ex-membro trabalhista do parlamento israelense e biógrafo oficial de David Ben-Gurion e Shimon Peres.

A solução para o conflito entre israelenses e palestinos é regional. Ele não vai ser encerrado simplesmente com a declaração de independência da futura Palestina, além do estabelecimento de fronteiras seguras em Gaza e Cisjordânia.

Mesmo que tudo isso seja resolvido, mesmo que idilicamente israelenses e palestinos cheguem a um acordo sobre questões complicadíssimas como refugiados e Jerusalém (os dois principais pontos de dissonância que impedem mesmo um acerto definitivo), o problema ainda não estará resolvido. Muito pelo contrário. Haverá um intervalo repleto de canções bonitas, imagens chorosas e promessas de um futuro glorioso. Em seguida, novos conflitos irão ocorrer motivados por questões distintas.

Um Estado palestino em Gaza e Cisjordânia é economicamente inviável. Haverá desemprego, superpopulação e descontentamento. Imaginem os cerca de 800 mil palestinos e seus descendentes retornando para um dos menores países do mundo já habitado por 1,5 milhão de pessoas em Gaza e 2,4 milhões na Cisjordânia? Lembrando apenas que a área somada entre o Estado de Israel, Gaza e Cisjordânia corresponde a cerca de metade do Estado do Rio de Janeiro. Está formado invariavelmente o cenário para o caos. E alguém duvida que o extremismo se fortaleceria neste caso?

A solução defendida por Bar-Zohar – e com a qual eu concordo – é: os países vizinhos precisam colaborar. No caso, os que parecem já estar comprometidos com a paz há mais tempo, como Jordânia e Egito. Junto com a futura Palestina, seria formada uma federação, com a subpovoada Jordânia cedendo território e Egito abrindo mão de parte da inabitada porção norte do Deserto do Sinai, entre El-Arish e Rafah. Lembrando que já hoje boa parte da população jordaniana é formada por palestinos.

O lenga-lenga de dois Estados para dois povos pode parecer bonito. Mas não resolve nada definitivamente. Chegou o momento de a criatividade ser aplicada também na solução de um conflito complexo e que precisa de opções viáveis e inéditas para terminar. Resta saber se Egito e Jordânia teriam coragem e vontade para tomar as rédeas e passar para a história como protagonistas desta super positiva virada de mesa.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Irã desloca baterias de mísseis para o Golfo Pérsico

Pode parecer fatalismo, mas não custa repetir que a situação no Oriente Médio caminha para um confronto aberto. A cada dia um novo fator contribui para a formação deste quadro, cujas peças já estão na mesa. Basta ler e formar este quebra-cabeça.

O jornal saudita al-Watan informa em sua edição de hoje que o Irã estacionou baterias de mísseis no Golfo Pérsico. O objetivo seria deter um ataque a suas instalações nucleares.

A novidade dá conta que uma fonte iraniana teria dito que o país recebera a informação de que Estados Unidos e Israel estariam planejando o ataque.

A especulação sobre o assunto é muito grande e a forma como a frase acima foi redigida mostra bem como as informações são desencontradas. Ninguém sabe ao certo quando o ataque vai acontecer. Como escrevi antes, acho que ele deve ocorrer até o final do ano e vai depender do resultado das eleições no Irã marcadas para junho.

Acho pouco provável que os EUA lancem uma ofensiva. Muito menos agora, dias após o vazamento da informação de que outubro foi a data estabelecida como limite para o início das negociações com o regime iraniano.

Além do mais, existe uma divergência conceitual quanto à capacidade nuclear de Teerã. Para Israel, o Irã vai conseguir produzir quantidade suficiente de urânio enriquecido para um teste nuclear em alguns meses. Para os EUA, isso só deve acontecer no começo de 2011.

Também está claro que os EUA querem dar mais tempo para o diálogo. Essa é a doutrina Obama. Até porque, os israelenses já haviam pedido autorização para atacar o Irã no ano passado. Não receberam. E, portanto, não haveria razão para receberem agora, justamente quando ainda se espera uma resposta positiva do Irã.

Mas é curioso que Ahmadinejad tenha tomado esta atitude praticamente no mesmo dia em que libertou a jornalista americana acusada de espionagem. Não são atos isolados da política externa do país, mas que se complementam. O objetivo é mais uma vez mandar mensagens ambíguas e confusas para os ocidentais. O “morde e assopra” típico da gestão atual iraniana.

Vale a informação – pesquisa da Universidade Bar Ilan mostra que 66% dos israelenses apoiariam um ataque militar ao Irã, no caso de todos os demais esforços diplomáticos falharem. Em Israel a discussão se a escalada nuclear da República Islâmica é uma ameaça à existência do país já foi ultrapassada.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Um cenário improvável está para se tornar real no Oriente Médio

Enquanto Papa Ratzinger faz uma visita ao Oriente Médio, o primeiro-ministro Bibi Netanyahu está no Egito.  Existe uma razão para explicar por que o líder israelense está reunido com o presidente egípcio. Ele tem assuntos realmente mais importantes a tratar. E o tema da conversa com o presidente Hosni Mubarak é realmente vital para a região. Muito mais que os previsíveis apelos de Ratzinger pela paz.

Bibi está discutindo a consolidação de uma improvável aliança. Por mais estranho que possa parecer, o Irã está polarizando os países da região. E para completar este cenário, alguns dos mais importantes Estados do Oriente Médio estão do lado de Israel. Silenciosamente, é claro.

É o caso do próprio Egito de Mubarak, cada vez mais incomodado com dois fatores: o crescimento da Irmandade Muçulmana dentro do país (bastante manifesto durante o conflito entre Israel e Hamas na Faixa de Gaza) e principalmente com a interferência direta de Irã e Hezbolah.

Pouco se falou sobre o assunto, mas autoridades de segurança egípcias detonaram uma célula terrorista do Hezbolah no mês passado. Nove pessoas foram presas acusadas de “espionagem, trabalho para um Estado estrangeiro e dano à segurança interna do Egito”.

Segundo o jornal The Boston Globe, a nota divulgada pelas autoridades do Cairo relata que o Hezbolah – com suas conexões com a inteligência iraniana – estava atuando de forma a solidificar a estratégia do Irã de desestabilizar seus rivais com o objetivo de se consolidar como potência dominante da região.

Não resta dúvida de que os planos de Teerã são esses mesmos. O curioso é que um país árabe manifeste publicamente esta opinião num momento em que os EUA se mostram dispostos a fazer cada vez mais concessões a Ahmadinejad em troca de uma eventual aproximação.

Que um ponto fique claro: a estratégia iraniana de repetidamente negar o Holocausto e defender que “Israel seja varrido do mapa” tinha um objetivo claro: unir mais uma vez o mundo árabe e muçulmano em torno desses slogans tendo Ahmadinejad como o capitão da cruzada.

Teerã acreditava que sua liderança seria inconteste, uma vez que os demais países o apoiariam ou ao menos não se colocariam em seu caminho.

Mas a complexidade das relações internacionais pode ter mudado o jogo. Os Estados sunitas estão bastante descontentes com a polarização da região. Essa situação deve dar à questão cores de surrealidade. Como disse, mesmo na encolha, Egito, Arábia Saudita, Jordânia e Marrocos devem se aliar a Israel na tentativa de impedir que o Irã se torne uma potência nuclear.

Do outro lado da moeda estão o próprio Irã, Síria, Qatar, Hezbolah e Hamas.

O próximo capítulo deste fascinante jogo de xadrez está marcado para o próximo dia 18 de maio, quando Bibi estará em Washington e deve expor tudo isso a Obama. 

quarta-feira, 6 de maio de 2009

De pedra a vidraça

A imprensa americana deu muita atenção à marca dos 100 dias de governo Obama. A data é uma referência para as primeiras avaliações sobre o novo morador da Casa Branca. Entretanto, é hoje que o jogo começa a virar.

Nem tão positivamente como se esperava. Aliás, muito pelo contrário. Com o ataque americano ao Talibã resultando em pelo menos uma centena de civis mortos, de acordo com as primeiras estimativas de oficiais afegãos, os EUA deixam a relativa posição de conforto que ocupavam até agora. O país volta a exercer um velho e conhecido papel: o de vidraça internacional.

A situação está cada vez mais fora de controle na região da fronteira entre Paquistão e Afeganistão. E para a saia-justa ficar ainda mais completa, o anúncio do erro de alvo americano acontece justamente no dia em que Washington recebe as visitas do presidente paquistanês, Asif Ali Zardari, e do afegão, Hamid Karzai.

A confusão é tamanha que o secretário de defesa dos EUA, Robert Gates, voou para a Arábia Saudita em busca de apoio na luta contra o Talibã.

A mesma e controversa monarquia encabeçada pelo rei Abdullah Bin Abdul Al Aziz Saud e criticada com veemência pelos Democratas após os atentados de 11 de Setembro – vale recordar o documentário Fahrenheit 9/11, de Michael Moore, que expõe os benefícios e acordos entre a realeza saudita e o governo Bush.

Mas a situação caótica no AfPak – como está sendo chamado esse problemão envolvendo a fronteira entre Afeganistão e Paquistão – está longe de ser novidade.

Segundo a BBC, no ano passado houve um aumento de 40% no número de civis mortos. Foram mais de 2.100. É claro que a maior parte foi vítima do Talibã, mas 550 mortes foram causadas por ataques aéreos americanos e da OTAN.

A partir de agora, só resta observar como Obama vai proceder sob uma chuva de críticas internacionais que certamente virão. Os problemas não vão desaparecer. Cabe ao presidente americano passar em mais este teste – difícil como todos os desafios que ele tem pela frente.

terça-feira, 5 de maio de 2009

A hora da ação

O ano de 2009 pode passar para a história por motivos distintos. Se a estratégia de conciliação promovida por Obama der certo, será marcado como o início de uma era pacífica. Mas isso está longe de acontecer. Simplesmente porque a paz não deve ser um fim em si, mas uma conclusão após negociações entre inimigos. Afinal, não se faz paz entre amigos.

E há atualmente dois grandes atores internacionais que podem impedir a concretização dos planos oníricos do presidente americano: Irã e Rússia (ele já não conta com Afeganistão, Paquistão e o Talibã).

As aspirações iranianas se não estão claras ao menos são mais conhecidas. Mas a Rússia é um grande enigma, que ora se alia ao ocidente, ora o ameaça. Esta situação pode ser resumida pelas frequentes oscilações na relação entre o país e a OTAN.

Na semana passada, a aliança militar ocidental expulsou dois diplomatas russos de sua missão permanente em Bruxelas sob acusação de espionagem.

A escalada da tensão continua. Moscou assinou um acordo com a Abcásia e a Ossétia do Sul para patrulhar as fronteiras das duas regiões. Para piorar, a Rússia pretende enviar para o local 20 aviões militares de ataque. Ninguém sabe ao certo o que se pode esperar a partir desta grande movimentação.

Sabe-se, entretanto, que a situação de acirramento entre OTAN e os russos deve aumentar nos próximos dias, uma vez que a organização pretende realizar exercícios militares justamente na Geórgia.

Para completar este cenário, alguns fatores interessantes: Moscou se prepara para a comemoração do Dia da Vitória, em 9 de maio, que celebra o fim da Segunda Guerra Mundial. O costume é realizar uma grande parada militar. Nada mais apropriado para o momento. Além disso, o ministro das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, declarou que não irá ao encontro entre OTAN e Rússia, marcado para o dia 19.

A ação já começou. Um grupo de soldados da Geórgia se rebelou hoje internamente. A culpa recaiu sobre a Rússia, acusada de incentivar o motim como forma de derrubar o presidente Mikhail Saakashvili. Oficialmente, o governo russo negou. 

Até que ponto esses pequenos embates indiretos entre Moscou e OTAN vão continuar ninguém sabe.

No caso do Irã, hoje o presidente Ahmadinejad se encontrou em Damasco com seu parceiro sírio Bashal al-Assad. O iraniano vai se reunir também com altos dirigentes do Hamas e aproveitou a viagem para chamar Israel de “micróbio destruidor” e provocar os EUA com uma declaração que deixa claro qual o real objetivo no caso de haver um diálogo com o ocidente:

"As circunstâncias estão mudando rapidamente em nosso favor. Estamos no caminho da vitória. Os Estados Unidos, que exerciam pressões sobre a Síria e o Irã, precisam de nós, e querem agora desenvolver as relações", disse.

Definitivamente, este não é o discurso de alguém que pretende estabelecer relações normais com os EUA. Simplesmente porque este não é o objetivo mesmo. Ahmadinejad só se dará por satisfeito quando deixar os Estados Unidos de joelhos. Como isso vai acontecer exatamente ninguém sabe, da mesmo forma que é uma incógnita o que ele qualifica de vitória concretamente.

Rússia e Irã darão o tom neste ano. O segundo mais do que o primeiro. Fica claro apenas que é chegada a hora do fim dos discursos. Ambos os países querem ação. E suas atitudes refletem esta mudança de paradigma. 

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Para sorte de Lula, Ahmadinejad não vem mais

O presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, cancelou a visita que faria ao Brasil nesta quarta-feira. Segundo explicação oficial, o motivo teria sido a relativa proximidade das eleições no Irã, em 12 de junho. Que ninguém leve a sério este argumento. A data do pleito está marcada há muito tempo. Usá-la como explicação é ingenuidade das autoridades políticas de Brasil e Irã.

Entretanto, segundo o portal Terra, fontes do governo brasileiro afirmam que Ahmadinejad teria reclamado da pouca deferência oficial à visita, além da ausência de “uma postura mais proativa do governo Lula em defesa das relações Brasil-Irã”.

Se este foi real motivo, ponto para Lula. Até porque ainda falta muito para convencer quais seriam os ganhos reais do Brasil com a presença de um líder de Estado preconceituoso, polarizador e que está longe de contribuir de alguma maneira com os preceitos que regem a política externa brasileira.

A verdade é que, diante da enorme polêmica causada pela visita, Lula deve estar respirando aliviado – muito embora o subsecretário-geral de Assuntos Políticos do Itamaraty, Roberto Jaguaribe, sustente que uma nova data deve ser acordada. Porém, como ninguém sabe quais serão os resultados das eleições iranianas, existe até a possibilidade de Ahmadinejad não pisar em solo brasileiro. Ainda bem, diga-se de passagem.
Ninguém pode afirmar se os protestos realizados em Rio de Janeiro e São Paulo – organizados pela comunidade judaica e grupos de direitos humanos e homossexuais – foram fundamentais ou mesmo contribuíram para a decisão do governo do Irã. Mas fica difícil negar a associação, uma vez que o anúncio do cancelamento acontece justamente no dia seguinte às manifestações. De qualquer forma, sorte da política externa brasileira. A visita do presidente iraniano seria um declive considerável num momento de ascensão.
Por melhores que fossem as intenções – e não eram, sejamos claros – de trazer Ahmadinejad para o diálogo, não é preciso recebê-lo por aqui para questioná-lo sobre sua posição em relação a terrorismo, direitos humanos e Holocausto. Até porque, se este fosse o motivo central da visita – e não era, sejamos claros novamente – o presidente iraniano jamais teria aceitado o convite.
O Brasil quer ser um ator internacional considerado. E não há nada de errado com isso. Se o mundo de hoje não permite a simplificação das relações entre os países, é preciso fazer uma leitura clara e direta dos acontecimentos. Aliar-se a um líder de Estado cujo fundamento internacional é a busca pelo confronto, o fomento ao terrorismo, o desrespeito às minorias e à memória histórica do ocidente é no mínimo equivocado.
Posicionar-se contra essa diretriz não é um sinal de fraqueza, mas de inteligência. E não se trata apenas de estratégia política correta. Mas também de respeito e transparência com o povo brasileiro.
Acho que ao longo desta semana haverá ainda muita especulação sobre os reais motivos que causaram o cancelamento da viagem de Ahmadinejad ao Brasil. Mas só resta a Lula comemorar a decisão e evitar que essa saia-justa se repita no futuro.