Tendo a ética como parâmetro profissional desde sempre, confesso que me envolvi em alguns dilemas ao decidir escrever este texto. Mas a insatisfação com informações equivocadas acerca de alguns pontos relativos ao resultado das eleições no Líbano me convenceu a encontrar uma solução alternativa de forma a expor minhas opiniões e, ao mesmo tempo, não prejudicar um colega de profissão.
Sendo assim, antes de entrar no assunto propriamente, preciso ressaltar que este texto tem por objetivo corrigir um dano que talvez seja incorrigível, uma vez que a avaliação do colega foi exibida no canal a cabo de jornalismo de maior audiência do Brasil.
O fato é que, diante do otimismo gerado pela derrota do Hezbolah, o jornalista em questão assina uma matéria televisiva de Beirute onde coloca a disputa entre os dois principais grupos concorrentes de uma forma nada pertinente à realidade do país. Segundo ele – e esses foram os termos usados –, a coalizão conhecida como 14 de Março, “de direita e apoiada pelos Estados Unidos”, derrotou o Hezbolah, “grupo militante de esquerda”.
Tomei um susto tremendo na mesma hora em que assistia à reportagem. Baseado em quê o colega simplifica de tal forma as complexas disputas que há muito tempo tomam o país? Como considerar o Hezbolah um “grupo” de “esquerda”?
Reconhecidamente usando métodos terroristas e adotando um discurso extremista abertamente, o Hezbolah jamais foi ou pretendeu ser uma facção somente política. E muito menos de esquerda, cujos valores estão historicamente associados a princípios como direitos femininos, liberdade de expressão, respeito às minorias e busca por soluções pacíficas de conflitos. Ao menos em teoria essas são algumas das bandeiras reivindicadas por aqueles que militam em partidos ou grupos de esquerda.
Por mais que exista uma inegável estrutura de assistência social patrocinada pelo grupo xiita, penso que é irresponsável qualificá-lo como pertencente à esquerda. Simplesmente por três grandes motivos: 1 – o xeque Hassan Nasralah, líder do Hezbolah, não cansa de realizar discursos onde pede o uso de todos os meios por muçulmanos de todo o mundo para destruir Israel; 2 – as bases de discussão política no Líbano jamais foram se as distintas representações e segmentos da sociedade do país estão sob os amplos “guarda-chuvas” de esquerda, direita ou centro, classificações tipicamente ocidentais; 3 – o Hezbolah foi fundado em 1982 para combater Israel e, inicialmente, criar uma república islâmica nos moldes do Irã – país que, por sinal, é até hoje seu grande financiador, ao lado da Síria.
Com todas essas informações básicas sobre o movimento extremista xiita libanês, qualificá-lo de partido de esquerda é no mínimo desinformação. Como a imprensa exerce uma função fundamental na formação de opinião pública, o ocorrido se transforma em irresponsabilidade.
Levando-se em consideração que o jornalista em questão mora no Líbano há mais de 20 anos, seguramente ele não desconhece as práticas e o discurso do Hezbolah, tornando o fato ainda mais imperdoável porque me leva a pensar que talvez o sujeito seja mesmo um partidário do grupo. E fica o questionamento neste caso: é possível ou honesto ser jornalista e militante do Hezbolah ao mesmo tempo? E se for este o caso, não seria mais justo que o colega viesse a público para expor suas filiações ideológicas?
Um comentário:
"canal a cabo de jornalismo de maior audiência do Brasil."
Já disse tudo.
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