Mahmoud Ahmadinejad continuou sua visita pela América do Sul. Em Venezuela e Bolívia, apenas reforçou os laços. Mas foi nos dois países que ele pôde finalmente relaxar e expor sem qualquer constrangimento suas opiniões polêmicas. Mais do que isso, recebeu apoio de Chávez, que aproveitou para ameaçar Israel. A verdade me parece cada vez mais que o Brasil acabou fazendo papel de bobo.
Há duas grandes correntes de pensamento que concordam e discordam da recepção de Ahmadinejad em Brasília; a posição oficial brasileira defende que é preciso conversar com todos os atores. O Itamaraty é pragmático, pretende ser reconhecido como um eventual mediador responsável e legítimo no cenário internacional - e principalmente no que diz respeito aos conflitos no Oriente Médio. Assim, como o Irã é indiscutivelmente uma potência regional, não é possível simplesmente ignorá-lo.
Os que se opõem à visita argumentam que receber o líder iraniano representa, mesmo que indiretamente, legitimar seu discurso e práticas antissemitas, homofóbicas e contrárias aos direitos humanos.
Acho que a discussão sobre a presença do presidente iraniano no Brasil é uma das questões que merecem uma abordagem totalmente despida de interpretações maniqueístas. Considero que tanto o argumento do governo quanto o dos opositores à visita de Ahmadinejad são válidos. Ou melhor, as razões apresentadas por Brasília para justificar a visita fazem sentido.
No entanto, penso que era sim importante que Lula tivesse optado por um discurso mais firme, condenado as práticas de Ahmadinejad e, mais importante ainda, todos os elementos de seu discurso. Mas o Itamaraty optou por silenciar em nome das pretensões brasileiras; e o presidente iraniano presenteou a audiência oficial com a promessa de apoiar a reforma do Conselho de Segurança da ONU com a concessão ao Brasil de um assento permanente.
No mais, olhando agora o giro sul-americano de Ahmadinejad como um todo, fica a péssima impressão de que o Brasil foi usado para ratificar as posições iranianas. Mesmo que essa não tenha sido a intenção do governo brasileiro - e tenho certeza de que não foi mesmo - entramos no bolo de Bolívia e Venezuela como países que legitimam a estreita visão de mundo do presidente iraniano.
Pode não parecer, mas Ahmadinejad está em guerra. A batalha da mídia busca conquistar corações e mentes em todo o mundo. E, como sabia o que a audiência brasileira gostaria de ouvir dele, o líder iraniano fez questão de se mostrar - ao menos enquanto esteve no Brasil - uma pessoa cordial, com objetivos pacíficos e como um mártir da luta contra o imperialismo americano.
Tanto que na segunda coletiva de imprensa que deu em Brasília declarou que a "era de ataques militares terminou". Ao ser perguntado se estaria pronto para responder a eventuais ofensivas militares de Israel e EUA, disse que os dois países citados representavam um "pensamento retrógrado".
A luta de Ahmadinejad é contra a enorme ameaça representada pela liberdade de expressão. Mas deixo este assunto para amanhã, já que é interessante demais e merece um texto próprio.
2 comentários:
Imperador, me atrevo, ingênuo e burro, a tecer um comentário. Apressado , confuso e mal-escrito comentário.
Na verdade, uma sugestao de como olhar as atitudes da diplomacia brasileira. Sem entrar no certo ou errado, as últimas acoes da política externa, pragmática decerto, pode nos levar ao campo da "ousadia".
O Brasil está sendo ousado e isso tem seus "riscos", já que a ousadia pressupoe, em certo tom, uma "imprevisao" das próprias acoes. Se eu espero o resultado, nao sou ousado.
Nesse sentido, acredito que García, Amorim e Guimaraes estao tateando a projecao de poder brasileira. Ao contrário do que muitos pensam, nao acredito na "irracionalidade" do abrigo ao Zelaya, nem no pan-americanismo vazio da mesa de Bariloche, tampouco na "naif" recepcao do Ahmadinejad. Está encontrando espeaco nessa ousadia, já que ainda nao teve nenhum tipo de contencao diplomática dos atores que se "desequilibram" com o tateamento tupiniquim. E a ousadia traz mais ousadia.
Acredito que o Brasil está sendo ousado (sem juízo de valor) e pode colher seus frutos, como pode ter esse período da política externa encurtado por uma contra-resposta estadunidense (ou dos principais atores) ou por um esvaziamento de seu "crescimento" economico.
O Brasil, definitivamente, é realista. E quer, como voce mesmo falou, tapear o equilíbrio de poder para o seu lado.
A ousadia, acredito, e repetindo, alguma hora vai bater contra a própria idéia de democracia liberal (de quem? pra quem? quem se beneficia dela)) e, ao meu ver, com as pecas mais próximas do continente (principalmente a Argentina, Venezuela e Chile).
Irao eles aceitar a producao de periferias que o Brasil atualmente está criando na regiao? Irao eles aceitar a assimetria teoricamente benigna? Como será suas percepcoes dessa política mais ousada do país?
Golbery pensou uma sub-hegemonia, sob as asas estadunidenses. O Brasil, agora, pensa a mesma hegemonia, mas independentemente. Os passos do livre caminhar sao sempre ousados. E a ousadia do livre caminhar está na ausência de protecao e conforto.
Linhas confusas, débeis, mas de coracao.
mil bjs!
Perfeitas as suas observações, Bruno. Parabéns! É isso mesmo.
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