terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

A irresistível sedução persa

Já escrevi muitas vezes sobre o confronto entre o Ocidente e o programa nuclear iraniano. Aliás, fazendo um mea-culpa, acho que abordei o assunto mais do que deveria. Mas agora, com o anúncio oficial de Ahmadinejad de que de fato não pretende abrir mão das pretensões atômicas, novamente o Irã volta às manchetes. Desta vez, no entanto, a ficha parece ter caído: não há oferta capaz de convencer Teerã a voltar atrás. E alguém realmente acreditava que isso não aconteceria?

Confesso que tenho lido as notícias sem qualquer surpresa. Não por ter bola de cristal ou me julgar genial. Longe disso. Mas estava tudo muito claro desde que as conversações começaram há sete anos. Ninguém vai ceder. E quando falo isso não me refiro apenas ao Irã, a parte pressionada a abrir mão da busca por energia atômica. Tampouco me parece provável que EUA e Europa – mais os primeiros que o segundo, pra falar a verdade – abdiquem de suas posições sobre a importância de evitar que Teerã obtenha acesso a material nuclear que lhe permita a produção de armas atômicas.

Não há ingênuos no comando das grandes decisões políticas internacionais. Obama, Sarkozy, Tony Blair, Hillary Clinton e muitos outros sempre souberam das dificuldades de dobrar os iranianos. E este é o ponto principal. Acima de qualquer análise fria sobre o assunto, há uma enorme vontade de se fazer história. Ou melhor, de entrar para a história. O Irã é, neste século, uma linda mulher cheia de personalidade a ser conquistada. Ou um poderoso oponente a ser batido. Escolham a metáfora mais agradável, mas o fato é que todos esses líderes sonharam com a possibilidade de passar para a eternidade como aquele a conseguir levar o governo da República Islâmica à mesa de negociações.

Não haveria glória política maior neste início de século. Talvez encontrar Osama bin Laden fosse vitória semelhante. Mas obter um acordo pacífico com o Irã seria uma conquista política inigualável. E nenhum dos nomes citados conseguiu. Nem haveria possibilidade, sejamos pragmáticos. A explicação dos motivos já foi dada em tantos textos anteriores, mas, para resumir, fico com as palavras de Meir Javedanfar, em artigo publicado no britânico Guardian.

"A maior motivação do líder-supremo, o Aiatolá Ali Khamenei, para seguir com a política nuclear é manter o Irã isolado. Os ultraconservadores do país acreditam que, ao aumentar a ira do Ocidente e estabelecer o isolamento em relação à comunidade internacional, será mais simples acabar com a oposição interna. Além disso, Khamenei acredita que, uma vez alcançada a meta de se tornar potência nuclear, nenhum governo externo ousaria se aventurar a derrubar o regime iraniano", escreve.

Acho válido pontuar alguns sinais óbvios – muitos dos quais se tornaram públicos de uma semana pra cá – das intenções da República Islâmica: 1 - anúncio do lançamento de uma sonda espacial; 2 - manutenção oficial do programa de enriquecimento de urânio; 3 - Ministério da Defesa do Irã informa que em breve o país passará a produzir aeronaves não tripuladas capazes de realizar ataques de alta precisão em Estados vizinhos. Precisa dizer mais alguma coisa?

2 comentários:

Bruno "Ruivo" Bereijnmbaom disse...

Sua análise é de uma precisão invejável, Henry. Correndo o risco de entrar num mérito que talvez já tenha sido abordado no Carta & Crônica (mas duvido que o tenha sido no Instituto Millenium, think tank de extrema-direita que por algum motivo patrocina o seu blog de qualidade muiutíssimo superior), quero fazer uma observação: o melhor cabo eleitoral de Mahmoud Ahmadinejad não é o Aiatolá Khamenei, mas George W. Bush, que herdou de seu antecessor Bill Clinton uma relação em progresso com o Irã, que como você bem observou, estava longe de trazer a república xiita à mesa de negociações. Mais por mérito dos reformistas do Irã do que por vocação multilateral da Chancelaria Clinton (que de qualquer forma representa quase uma Política da Boa Vizinhança ao ser espremida no período entre-bushes), a maior teocracia do mundo estava se abrindo para o Ocidente (e pro Oriente, cabe colocar esse lembrete) ao acompanhar a política geral de liberalização do regime patrocinada pelo presidente Mohammed Khatami.

Veio o Onze de Setembro, repudiado frontalmente pelo recém-reeleito presidente Khatami, que serviu de pretexto para que os neo-cons da política externa de GWB declarassem guerra sem trégua ao Eixo do Mal (Irã, Iraque, Coréia do Norte), e a "glasnost" de Khatami caiu no ridículo. A derrocada de Khatami abasteceu a demagogia revanchista de Mahmoud Ahmadinejad, cuja plataforma belicista e anti-semita, dava ao Aiatolá Khamenei a perfeita oportunidade para interromper a abertura do regime se conquistasse respaldo nas urnas.

A Guerra do Iraque lavou a alma da República Islâmica do Irã. Em seis meses W. Bush conseguiu o que a ditadura xiita não logrou êxito em oito anos de guerra cruenta contra a facínora Saddam. Agora, qualquer êxito sobre a resistência iraquiana será um triunfo para Ahmadinejad, que será vindicado em seu militarismo. Se um vértice do Eixo do Mal desabou sem ter armas de destruição em massa, e se o outro, a Coréia do Norte conquistou declarações menos temperamentais que as habituais ao desenvolver seu arsenal nuclear, a lógica da sobrevivência escora o aparelhamento nuclear de Ahmadinejad. O que era delírio militarista virou aritmética. Os falcões norte-americanos pintaram o discurso nuclear do demagogo com as tintas da lucidez. Os mesmos neo-cons que gostam de ver um Churchill em W. Bush e um Hitler em Ahmadinejad fizeram um Chamberlain de Khatami e deixaram Ahmadinejad ganhar ares de Churchill.

Unknown disse...

Como sempre, você contribui bastante e de forma muito bacana para este blog, Bruno. Além de muito bem escrito, seu comentário mostra uma visão original e construtiva sobre o programa nuclear iraniano.
Obrigado por participar, irmão.
Grande abraço