No próximo domingo, dia 7 de fevereiro, os ucranianos vão às urnas escolher o novo presidente. O resultado do pleito é importante por alguns motivos: além de fazer fronteira com a Rússia - fato suficiente para tornar quaisquer decisões potencialmente dramáticas -, a Ucrânia foi o palco de um dos capítulos mais intensos da história recente europeia: a chamada Revolução Laranja, no final de 2004.
O episódio que levou à presidência o desfigurado Viktor Yushchenko - fato que ainda gera suspeitas sobre o primeiro-ministro russo Vladimir Putin - marcaria profundamente o país. Primeiro, porque era a esperança real de independência decisória de seu poderoso vizinho oriental; e, segundo, transformou-se hoje numa crise de identidade cercada de desilusões.
A Revolução Laranja morreu. Yushchenko desapontou e fez um governo baseado nos mesmos parâmetros de favorecimento de seus amigos que o levaram ao cargo. Afundada em corrupção, a Ucrânia ocupa a décima sétima posição - de baixo para cima - no ranking da liberdade econômica global; as cortes ainda são profundamente corruptas e o parlamento é uma bancada de negócios onde os deputados se mostram disponíveis a negociar a aprovação de leis em troca de favores financeiros.
Reportagem da The Economist mostra que, em 2005, 53% dos ucranianos acreditavam que o país estava no caminho certo. Hoje, 81% dizem o oposto.
O segundo turno vai ser disputado por Viktor Yanukovich, opositor de Yushchenko em 2004, e a primeira-ministra Yulia Tymoshenko, a irmã gêmea da princesa Lea, de Guerra nas Estrelas. Ao contrário da revolução de seis anos atrás, hoje ambos os candidatos têm algum tipo de acordo com os russos.
E qual a importância da Ucrânia para a Rússia? Além de ser o lar da maior concentração de russos fora de seu país natal, a Ucrânia é o berço da etnia russa. Mas muito além do terreno da superficialidade, as questões estratégicas dominam o interesse de Moscou por manter Kiev sob sua influência. É o que acredita o analista Peter Zeihan, do Stratfor.
"A Rússia teme que, sem a Ucrânia, será pressionada pelos europeus ao longo de toda a sua periferia ocidental (minha nota: ao longo dos ex-membros da URSS), pelo mundo islâmico na periferia sul, pelos chineses no sudeste e pelos americanos onde quer que exista esta possibilidade".
Concordo com ele e sua análise segue uma linha coerente a do fundador do grupo Stratfor, George Friedman: a Rússia necessita de zonas de amortecimento capazes de manter sua segurança. Do contrário, pensam os russos, sempre haveria a possibilidade de uma invasão europeia capitaneada por países anteriormente agredidos pelos russos, como Polônia e Hungria.
3 comentários:
Engraçado como a História é uma eterna guerra entre narrativas...é bonitinho dizer que o povo russo nasceu na Ucrânia, um país onde o coração da agricultura e o carnaval dos combustíveis fosséis--tanto do Império Russo quanto do Império Soviético--estão localizados. Na verdade o que nasce na Ucrânia é a Monarquia de Kiev, que não tem nenhuma continuidade histórica com qualquer Rússia que tenha exisitido como tal--aliás, o Reino de Novgorod (Monarquia de Nevsky) também não. A Rússia que conhecemos nasce de um principado (inicialmente, um ducado) de Moscou. Para todos os efeitos, o Império Russo é o antigo Império Moscovita, nascido de um cisma com a Igreja Ortodoxa Bizantina.
A Ucrânia é o lar nacional dos RUTÊNIOS, povo esse chamado de "russos brancos" pelo Ocidente, que de fato são eslavos, mas não são mais russos do que poloneses ou eslovacos.
É uma guerra de narrativas mesmo, Bruno. Obrigado pela mensagem.
Nessas horas é que dá um certo gosto em apelar pra Marx: em última última análise essas tentativas de se afirmar uma certa legitimidade histórico-cultural sobre uma terra são um pretexto que garanta soberania sobre áreas economicamente muito aproveitáveis. O problema é que, ATÉ chegar na última análise, já se passaram dezenas de anos recheados de discursos revanchistas, chauvinistas e xenófobos. E aí o ódio nacional mútuo sobrevive mesmo perante uma compreensão de que a guerra certamente trará a ruína. Na política internacional a audácia já sai com uma enorme vantagem em relação ao comedimento, à postura do "deixa barato". E na democracia liberal do Estado Nacional a demagogia alarmista e moralista sempre supera as reflexões herméticas.
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