Não haveria como o Hezbollah aceitar um acordo capaz de mudar os planos do grupo de derrubar a coalizão do governo. As conversas sobre a situação do Líbano eram mediadas por Arábia Saudita e Síria. Comentei ontem sobre as características únicas do Estado libanês e da grande representatividade regional concentradas no pequeno país. Pois bem, se internamente a maior parte das etnias e religiões do Oriente Médio fazem enorme esforço para manter algum equilíbrio, a maior batalha geopolítica regional também está em curso.
Foto: estátua de Rafiq Hariri em Beirute
Ignorar a disputa entre as coalizões sunita e xiita seria um erro. E ela também teve participação na decisão do Hezbollah de virar a mesa. Se aceitasse o compromisso proposto pela sunita Arábia Saudita, estaria indiretamente colaborando com o jogo norte-americano. Acatar sugestões sauditas era absolutamente inaceitável para o xeque Hassan Nasrallah, líder da milícia xiita. Aliás, é bom lembrar que o atentado ao sunita ex-primeiro ministro Rafiq Hariri tem relações profundas com este mesmo jogo político e sectário que envolve todo o Oriente Médio. Próximo aos mesmos sauditas que ora tentaram forjar um acordo para evitar a dissolução do governo libanês, Hariri continua a ser a pedra no sapato do Hezbollah - mesmo mais de cinco anos depois de morto.
É bom que se diga que este tribunal da ONU que causa tanto pavor e ódio à milícia xiita foi convocado pelo próprio governo libanês - e inclui juízes estrangeiros e locais. E, agora, com os resultados divulgados por meio de vazamentos na imprensa responsabilizando o Hezbollah pelo atentado a Hariri, a divisão sectária volta a assombrar o país.
O problema para Nasrallah e sua turma é que Hariri era uma das poucas figuras admiradas nacionalmente, mesmo entre os xiitas. Principalmente porque, num país dominado pela cultura do apadrinhamento (e tenho certeza de que os brasileiros sabem muito bem como ela funciona), o fato de o ex-primeiro ministro ser filho de família pobre sem quaisquer conexões políticas prévias o tornou uma espécie de alento nacional. Como Lula por aqui, Hariri deu esperança de que era possível, apesar de tudo, ascender numa sociedade profundamente desigual.
Todo este imaginário soa muito mal aos ouvidos do líder do Hezbollah. Principalmente porque o grupo xiita precisa perpetuar o assistencialismo como forma de sobrevivência política. É bom que se diga, no entanto, que há um tanto de simbiose nesta relação. Se o grupo se expandiu com base no assistencialismo e conseguiu ascender politicamente é porque o governo libanês deixou mesmo muitos vazios e carências. E, para completar, esta relação de vazios deixados pelo estado libanês também é a maior arma à disposição da milícia xiita; no final das contas, o poderio militar do Hezbollah é maior que o das forças armadas regulares do Líbano. Este dado final será usado caso o tribunal da ONU insista em divulgar suas acusações. Ou seja, a posição de poder e ameaça do Hezbollah continua garantida.
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