O clérigo radical xiita Muqtada al-Sadr está de volta ao Iraque. Toda a esfera místico-religiosa que cercou seus quatro anos de autoexílio promete ter um tremendo impacto no cotidiano político iraquiano a partir de agora. Segundo ele mesmo disse para quem quisesse ouvir, o período em que esteve na cidade de Qom, no Irã, serviu para que se aprofundasse nas leituras e reflexões religiosas do islamismo xiita. Este é o véu sagrado que encontrou para deixar o país quando seus militantes armados sofriam as piores baixas, e o Iraque era razoavalmente domado pelas tropas americanas. Quando Sadr se foi, o número médio de mortes variava entre três e quatro mil pessoas por mês. Hoje, o número é o mesmo, mas durante todo o ano.
O retorno do líder xiita radical - que já esteve entre os mais procurados pelos EUA - é estratégico e evidencia alguns sinais que podem determinar os traços deste novo país: a possível maior influência do Irã a partir da vitória eleitoral do também xiita primeiro-ministro iraquiano, Nuri al-Maliki; o grande mico em que se transforma o processo de desocupação americana do Iraque.
Sim, após oito anos de presença americana, bilhões de dólares e o desgaste envolvendo a morte de milhares de soldados, o resultado final parece confirmar uma lição que o Oriente Médio não cansa de "ensinar": a construção forçada de pretensas democracias apoiadas por potências ocidentais se transforma, em médio prazo, numa simples transferência de poder a outros ditadores. No caso iraquiano, a situação é bastante óbvia; Washington destituiu o regime de Saddam Hussein e os privilégios concedidos à minoria sunita e transferiu o poder para fundamentalistas xiitas apoiados pelo Irã. Quem quiser interpretar este cenário como uma vitória ocidental, sinta-se muito à vontade para tal.
Para os que ainda têm dúvidas quanto ao futuro da "democracia" iraquiana com a efetiva participação de Sadr, é importante mencionar que Nuri al-Maliki conseguiu seu apoio para a formação da coalizão governamental somente quando aceitou ceder aos partidários de Sadr os ministérios da Justiça e Educação (além de outras seis pastas). Com o controle sobre essas áreas, o clérigo xiita conseguirá difundir preceitos e práticas religiosas radicais, além de manter a lei islâmica em detrimento da legislação laica e, para completar, certamente impedirá qualquer avanço dos direitos femininos.
É bem provável que o movimento militar comandado por Sadr ganhe ainda mais poder no país. E é bem possível que ele se transforme em algo muito similar ao também xiita Hezbollah, do Líbano. Então, para os EUA, o resultado até o momento é o seguinte: a possibilidade do nascimento de um novo Hezbollah, a garantia de uma maior participação iraniana nos destinos políticos do Iraque e o eterno agradecimento xiita pelo serviço americano competente de passar o poder a suas mãos.
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