E aconteceu o que todo mundo já imaginava: o Hezbollah assistiu às manobras do tribunal da ONU que investiga o assassinato do ex-primeiro ministro Rafiq Hariri pelo máximo de tempo que o grupo considerou tolerável. Ao perceber que a divulgação de resultados culpando a milícia xiita pelo atentado que vitimou um dos mais populares políticos do país aconteceria em breve, jogou a carta que quebra a banca. Usou suas articulações políticas para reverter a situação a seu favor: retirou os 11 dos 30 ministros que compunham a base de sustentação do governo e, com isso, transformou o destino do país numa grande incerteza. Já havia descrito os possíveis cenários em curso num texto de novembro de 2010 (leia aqui).
O Líbano é uma espécie de microcosmos regional. Em parte porque as populações do Oriente Médio - a exceção de Israel, claro - estão representadas no país: muçulmanos sunitas, xiitas, drusos, cristãos. A proximidade com Israel também favorece os interesses dos demais países em realizar "testes" a partir do território libanês. Irã, Síria, Arábia Saudita e mesmo os EUA procuram influenciar Beirute politicamente.
Por isso é muito importante estar atento aos próximos acontecimentos desta reviravolta. Ela certamente não se restringe à política nacional libanesa. Aliás, não foi por conta dela que as mudanças passaram a tomar curso. O jogo estratégico regional é fundamental para compreender o que vem por aí. Sem a influência síria, Hariri não teria sido assassinado em 2005. Sem o auxílio iraniano, possivelmente o Hezbollah não teria tido fôlego em 2006 para provocar e resistir com firmeza durante a guerra contra Israel. Se ambos os eventos não tivessem ocorrido, a situação hoje seria muito diferente - principalmente porque a principal jogada da milícia xiita seria apenas uma vaga intenção: sua transformação em ator regional relevante.
Por sinal, a crise causada pelos resultados a serem apresentados pelo tribunal da ONU foi percebida pelo Hezbollah como atalho para alcançar mais uma promoção: é chegada a hora de subir um patamar e deixar de ser mero instrumento de provocação aos israelenses ao dispor de sírios e iranianos. Até porque há informações de que o líder do grupo, o xeque Hassan Nasrallah, estaria incomodado por sinais recentes de alguma aproximação entre Washington e Damasco.
A possibilidade da divulgação das descobertas de que militantes da milícia estariam envolvidos no assassinato de Hariri precipitou os planos por uma razão muito simples: por mais que o Hezbollah insista internamente na velha estratégia de culpar Israel por todos os assuntos, a complexa e sofisticada sociedade libanesa ficaria ainda mais dividida. Mesmo que o grupo não perdesse adeptos, certamente perderia ainda mais prestígio político.
Assim, diante do cenário que se apresenta, não ficaria surpreso se o próximo passo em busca da popularidade fosse apostar na velha moeda que costuma surtir efeito: provocar distúrbios na fronteira com Israel e apelar ao discurso de união nacional. O problema é que a oposição ao Hezbollah não parece disposta a arriscar as graves consequências de uma nova guerra contra Israel em nome dos objetivos da milícia xiita. É sobre esta linha tênue que o Líbano deve caminhar no futuro breve.
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