Com a divulgação dos documentos confidenciais das negociações entre israelenses e palestinos, fica a dúvida sobre os próximos passos que restam aos atores regionais. Se as perspectivas parecem pessimistas – e tal percepção é bastante justificada –, os interessados em manter vivo o processo de paz precisam investir como nunca no fortalecimento da Autoridade Palestina.
Foto: o ex-primeiro ministro de Israel Ehud Olmert e o atual presidente palestino, Mahmoud Abbas
É muito provável que as potências ocidentais façam isso mesmo. Além de única alternativa de negociação, é preciso reverter agora a aura de incerteza que paira sobre as intenções americanas, por exemplo. Se os EUA já eram questionados pelos países árabes e islâmicos, a publicação de informações importantes sobre a atuação de Washington transformaram o sonho diplomático de Obama em miragem. Por exemplo, a divulgação de que a Casa Branca chegou a sugerir a alocação de refugiados palestinos em Chile e Argentina pegou muito mal mesmo.
Por isso, a primeira atitude oficial americana foi comunicar, através do Departamento de Estado, que seu governo considera o caso um fator complicador nos esforços para alcançar um acordo de paz entre israelenses e palestinos. É isso mesmo. Principalmente porque, do ponto de vista ocidental, alguns dos principais protagonistas no Oriente Médio perderam significativamente: os EUA, o atual trio de comando de Israel – o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, o ministro da Defesa, Ehud Barak, e a caricatura que ocupa o ministério das Relações Exteriores, Avigdor Lieberman – e a líder da oposição, Tzipi Livni.
O trio que dá os rumos atuais em Jerusalém passa a penar para explicar aos opositores, à imprensa e à população do país por que insiste em afirmar que não há parceiros confiáveis de negociação. Os documentos apresentados pela al-Jazeera e pelo Guardian mostram que o governo israelense anterior – do primeiro-ministro Ehud Olmert – e a Autoridade Palestina estavam em estágio avançado de diálogo, com propostas cada vez mais claras e dispostos a aplicar conceitos sofisticados para resolver os vários impasses entre as partes (e o conceito mais valioso é o da criatividade, a capacidade de fugir de respostas óbvias que jamais foram capazes de pôr um plano de ação em prática).
Tzipi Livni fica numa posição ambígua. Se por um lado manteve a fama de negociadora firme, por outro se expôs como nunca ao apresentar um plano de realocação das vilas árabes-israelenses dentro do futuro Estado palestino – solução abertamente defendida por Avigdor Lieberman, a quem Livni diz publicamente se opôr.
O que todo mundo já imaginava que poderia acontecer está tomando forma nos territórios palestinos. O Hamas se aproveita como pode. O grupo se refestela sobre os escombros de um governo que passou a desacreditado no mundo árabe e islâmico. Curiosamente, no entanto, o presidente, Mahmoud Abbas, e o negociador-chefe, Saeb Erekat, estão julgados e condenados como traidores morais justamente por demonstrarem algumas das características que o ocidente mais admira: pragmatismo e realismo político.
Por exemplo, a posição de Abbas sobre a problemática questão dos refugiados palestinos é, na prática, a aceitação do caráter judaico de Israel, algo que o próprio Netanyahu coloca como condição para retomar os diálogos.
“Nós dissemos que alguns mas não todos poderiam retornar para o que hoje é Israel.(...) É ilógico pedir a Israel que receba cinco milhões ou mesmo um milhão. (...) Isto significaria o fim de Israel”, diz o presidente palestino.
O problema é que este pragmatismo é interpretado como traição pelos grupos radicais. Se a AP ganha muito entre os ocidentais pela divulgação dos documentos, perde demais no próprio território. E aí só resta a EUA e Israel fortalecerem Abbas e Erekat. Mas é preciso esperar a poeira baixar. Qualquer iniciativa espalhafatosa atualmente pode ter efeito contrário, deixando-os em situação ainda mais delicada.
Um dos mais curiosos efeitos colaterais é notar que o maior avanço nos diálogos aconteceu justamente durante o governo de George W. Bush. Além de ter apoiado o fim de todos os assentamentos em Gaza e mais alguns importantes na Cisjordânia (25 no total), foi durante o mandato de um dos mais contestados presidentes americanos de todos os tempos que israelenses e palestinos chegaram muito perto de colocar em prática alguns dos principais pontos dos diálogos de Annapolis. Por isso, Barack Obama deve estar se sentindo muito pressionado a obter resultados mais significativos – e diante de um cenário muito mais complicado.
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