Depois de 52 anos de existência e de causar a morte de 820 pessoas, o grupo separatista basco ETA declarou cessar-fogo nesta semana. A notícia foi dada em tom solene por três de seus representantes. A imagem bizarra dos homens vestidos de preto e rostos anônimos graças a seus capuzes brancos lembra mais uma reunião de dissidentes do não menos condenável Klu Klux Klan. A fotgrafia amplamente divulgada pelas agências de notícias poderia estar impressa em sépia. A importância do ETA, seus objetivos e métodos terroristas estão vinculados ao século passado - pelo menos no mundo ocidental.
Curiosamente, meu primeiro pensamento ao tomar conhecimento da decisão também foi nostálgico. Parou em algum ponto dos anos 1990, em minhas aulas de geografia na escola. Na época, sucessivos e entusiasmados professores davam como certo o fim de grupos como o ETA. O Tratado de Maastricht acabara de ser assinado, a União Europeia constituía suas bases e se apresentava como um inevitável modelo de sucesso. Os rumos políticos ocidentais estavam definidos: os países se uniriam em blocos; as aspirações nacionais dariam lugar ao desenvolvimento através de parcerias.
Mas aí o tempo e a certeza passaram. Até a UE anda cambaleante nesses dias. Países em crise econômica costumam adotar medidas impopulares. Isso vem acontecendo. Junto com a impopularidade, a insatisfação de populações carentes de emprego, renda, educação e, finalmente, governos nacionais. O fim do ETA parece seguir a contramão da tendência de se voltar para as administrações regionais. Curiosamente, no entanto, me parece que o cessar-fogo declarado pelo grupo não está tão distante assim de aspirações locais.
O apoio popular ao nacionalismo basco é cada vez menor. E isso ficou mais evidente durante os anos de vacas gordas da UE . Por que continuar a bater de frente com a rica unidade continental, se os militantes bascos tinham muito pouco a oferecer? Já era possível manter as tradições, estudar e falar basco sem o temor do período franquista, quando a cultura local foi sufocada sem pena. Era melhor entender o governo espanhol como um bom representante, um caminho para a riqueza europeia. E neste ambiente, o nacionalismo basco definhou.
A intenção do ETA ao sugerir ter abandonado a luta armada - "a solução do conflito basco vai acontecer por meio de um processo democrático que considere a vontade do povo basco como seu ponto máximo de referência, e diálogo e negociação como suas ferramentas" - é retomar pelo menos uma centelha do protagonismo perdido. Na prática, o ETA que se desvencilhar do próprio imaginário violento que alimentou com bastante orgulho durante as quatro décadas de atentados.
Para isso, precisa criar um processo vitorioso onde consiga convencer espanhóis, espanhóis-bascos, europeus e o governo espanhol de que pode se transformar num representante basco legítimo. E por conta disso, o partido nacionalista local Batasuna é um ator muito importante. A legenda, banida pelas autoridades espanholas em 2003 por acusações de vinculação ao ETA, está particularmente dedicada em se afastar do grupo. Inclusive, em setembro do ano passado, participou junto a outras facções nacionalistas da assinatura de uma declaração na cidade de Guernica (o que torna tudo ainda mais simbólico), pedindo o fim do ETA.
Como os incautos não tem vez no mundo político, todos esses passos parecem caminhar para um novo patamar do nacionalismo basco, quando o Batasuna - o representante que passará a agregar o movimento regional - seguir toda a cartilha estipulada pelo governo espanhol e, finalmente, conseguir legitimidade. Como em maio deste ano haverá a realização de eleições regionais, o ETA pretende mudar e se transformar definitivamente (?) em Batasuna para continuar a existir.
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