A divulgação de documentos secretos não terminou. Pelo contrário. Como prometeu o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, o vazamento será contínuo como forma de manter o interesse mundial no assunto. Esta estratégia é muito inteligente. As informações são também cada vez mais constrangedoras para os governos - e mais interessantes para o público apresentado a elas, evidentemente. A novidade agora é a formalização de uma disputa silenciosa, mas que tem colocado em rota de colisão os dois países europeus mais poderosos: França e Alemanha.
No estilo dos roteiros cinematográficos do velho século 20, a Alemanha está em busca da supremacia europeia. Para isso, não apenas a liderança econômica é importante, mas também uma maior participação estratégica na área de segurança. Já de volta ao século 21, uma das formas mais importantes para atingir tal objetivo é a primazia de informação. O que explica a intenção de construir um importante aparato de satélites espiões.
Como os documentos vazados informam, o HIROS (High Resolution Optical System - sistema ótico de alta resolução) dará aos alemães independência de fontes externas para obter imagens. Bom, pelo menos esta é a justificativa apresentada pelas autoridades do país para explicar o investimento de 270 milhões de dólares no projeto.
O fato é que nada é tão simples quanto parece. Em primeiro lugar, o termo "independência" deve ser lido com uma importante restrição: a construção do HIROS é uma parceria entre Alemanha e EUA. Na verdade, o interesse do governo de Berlim é explícito na consolidação do empreendimento ao lado dos americanos: ter acesso à ampla cobertura que Washington já realiza de Irã, Coreia do Norte e movimentos de grupos terroristas em Paquistão e Afeganistão.
Do ponto de vista dos EUA, a parceria é muito produtiva sob todos os aspectos: a aliança com a maior potência europeia pode ser interpretada como uma forma de estabelecer importante conexão europeia, ao mesmo tempo em que mantém as possíveis ambições alemãs sob controle. Afinal, as rivalidades históricas entre os dois países não são esquecidas geopoliticamente. E a ainda positiva situação econômica de Berlim - ou menos negativa, se comparada aos demais membros da União Europeia - poderiam incentivar a Alemanha a dar passos militares mais ousados.
Esta relação próxima entre EUA e Alemanha incomoda profundamente a França. Segundo os documentos revelados, os franceses fizeram de tudo para inviabilizar o projeto. De acordo com oficiais entrevistados, o empenho francês em melar a parceria se deve ao monopólio que a indústria do país mantém no mercado de imagens eletro-óticas. Esta é uma explicação, mas não a única.
Acredito que o caso envolvendo a construção do sistema é apenas mais uma expressão da disputa entre franceses e alemães no continente europeu. É claro que Paris sabe da liderança exercida por Berlim, mas pretende marcar território, como se quisesse minimizar prejuízos, impedir que a Alemanha dê mais um salto adiante. Operar satélites em conjunto com os americanos - e excluir a França, obviamente - seria um golpe duro demais a ser assimilado.
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