As tensões políticas e sociais que tomaram as ruas da Tunísia podem se espalhar pelos demais países do norte de África. Pelo menos esta é a esperança de muitos analistas que acreditam que o movimento iniciado em Túnis deve ser a fagulha para a sublevação de populações oprimidas por décadas de governos corruptos e tiranos. Além da Tunísia, Jordânia, Líbia, Mauritânia, Egito, Argélia e Marrocos estão entre os regimes que compartilham características muito similares: déspotas de famílias ricas e tradicionais se apoderam do cargo máximo com apoio das forças armadas e - este fato tem sido ignorado até agora - das potências ocidentais.
É claro que o pacote compreende também o controle da imprensa e a extratificação da sociedade. Aos próximos do poder, tudo; à maioria da população, o resto. Talvez esta situação pudesse ser mantida por mais tempo, mas parece que os regimes ignoram o intercâmbio natural destes tempos. Nunca é demais lembrar que os protestos contra as eleições iranianas que reelegeram Ahmadinejad em junho de 2009 foram convocados por uma onda de mensagens de celular e twitter. A rede de TV Aljazira, baseada no Qatar, transmite as manifestações na Tunísia para todo o mundo árabe.
Antes de imaginar que esta situação será o ponto-chave capaz de espalhar a democracia na região, é preciso entender as grandes diferenças que marcam os países. Gosto muito da definição do Rami G. Khouri, editor do jornal libanês Daily Star e diretor do Instituto Issam Fares de Política Pública e Assuntos Internacionais da Universidade Americana de Beirute:
"Na realidade, há dois mundos árabes. O primeiro compreende os ricos (países) produtores de energia do Golfo Pérsico e suas pequenas populações, onde paternalismo e bem-estar tribal mantêm os cidadãos materialmente confortáveis e politicamente dóceis. O resto do mundo árabe - cerca de 320 milhões de um total de 350 milhões - reflete com proximidade o perfil da Tunísia como cenário definido por pressões socioeconômicas, expandindo a disparidade entre os mais e menos providos, degradação ambiental, consideráveis tensões políticas e regimes autocratas ancorados em agências de segurança internas", diz.
Além disso, não se pode deixar de lado os interesses das potências ocidentais na região. Suas prioridades praticamente se resumem à manutenção da estabilidade. É bom que se diga: uma grande virada nesses países não necessariamente agradaria à Casa Branca, para ser mais claro. Aliás, a grande preocupação americana na região é restrita a questões de segurança internacional e à luta contra o terrorismo. Por exemplo, por mais que a situação na Argélia seja de profunda desigualdade interna, documentos do WikiLeaks mostram o apreço dos EUA pelo governo local devido a suas ações no combate à al-Qaeda do Magreb Islâmico (AQIM, na sigla em inglês).
Um dos maiores temores americanos é que uma eventual mudança extrema nesses países termine por beneficiar justamente os movimentos islâmicos radicais. Banidos da legalidade e mantidos à margem do sistema político, não é impossível imaginar que os partidos religiosos ganhem força se as lideranças atuais forem derrubadas. Certamente, seria isso o que aconteceria em Egito e Jordânia, para citar os exemplos mais óbvios.
Vale lembrar a vitória esmagadora do Hamas no território palestino quando o grupo pôde participar pela primeira vez das eleições legislativas de 2006. Pesquisa realizada pelo Instituto Gallup em 2010 nos 22 países árabes mostra a força da religião; entre os jovens entrevistados - pessoas com até 30 anos de idade e que correspondem a 65% de toda a população árabe -, 86% disseram ter confiança nas organizações religiosas. Se elas se transformarem em partidos políticos e adotarem o discurso da moralidade, é muito provável que conquistem ainda mais as mentes deste eleitorado frustrado por décadas de regimes excludentes.
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