terça-feira, 2 de agosto de 2011

Por que ninguém quer invadir a Síria

O último texto dava conta das grandes contradições que cercam a passividade mundial diante da perseguição promovida pelo presidente sírio, Bashar al-Assad, cujos principais alvos são os próprios cidadãos comuns. Há algumas importantes complexidades que precisam ser esclarecidas. Elas de nenhuma maneira justificam a situação, mas permitem a compreensão mais ampla da aparente impotência internacional e da própria ONU. Se Assad não é nenhum gênio político – e não é mesmo –, pode ser orgulhar de contar com uma boa dose de sorte. O problema para ele é que, assim como para qualquer um, sorte não é um privilégio divino concedido a partir de algum mérito. É somente um estado transitório.

 
Novamente, a Líbia ajuda para efeito de comparação. Se houve tanta certeza na ofensiva contra Khadafi ela se deve, em boa parte, à localização do país. Espremida entre Egito, Argélia e Tunísia, a Líbia não reservava grandes surpresas externas. Ou seja, por mais que os governos de seus vizinhos não simpatizem com a operação militar nas redondezas, nenhum deles está disposto a partir em socorro de Khadafi. Esta é uma certeza. Ainda mais quando consideramos que a ação ocidental busca surfar na mesma onda vitoriosa que mudou os regimes em Egito e Tunísia. Em meados de março, não havia ânimo, interesse, justificativa ou mesmo dinheiro que levassem as cúpulas dos governos que fazem fronteira com o território a esboçar qualquer contraofensiva.

 
O caso sírio é completamente diferente. Vale lembrar que ainda agora, mesmo diante do flagrante ataque de Assad contra seus compatriotas, há pouca gente que defenda abertamente a deposição do presidente da Síria. Há muitos pedidos de reformas, calma, respeito aos direitos humanos. Mas mesmo os EUA evitam incentivar a derrubada do ditador. Isso porque, ao contrário da Líbia (e perdoem-me o lugar-comum), a região representa o exemplo do que se convenciona chamar de "vespeiro". Ninguém sabe como os demais países reagiriam a uma ofensiva internacional. Aliás, o problema é ainda mais grave; ninguém é capaz de ter certeza quanto à própria reação do regime sírio e mesmo de sua população.

 
Há uma memória coletiva e traumatizada na Síria quando se fala de invasão estrangeira. E eis aí mais um item de sorte de Assad. Nem mesmo seus inimigos se sentem muito à vontade para defender uma ofensiva como a da Líbia. Até os próprios americanos se sentem inseguros. Por duas razões específicas: certamente o Irã se sentiria impelido a defender seu aliado regional mais importante; e também Assad usaria o expediente mais óbvio para provocar os interesses dos EUA no Oriente Médio: como já fez há dois meses – quando permitiu que seu território servisse de base para que militantes palestinos invadissem Israel –, novamente provocaria incidentes na fronteira com o Estado judeu. E com o agravante do desespero, esses incidentes poderiam ser ainda mais explosivos.


Vale lembrar também que o governo de Damasco abriga importantes lideranças exiladas de grupos radicais palestinos. Elas não costumam usar o país como base de operações, mas seus líderes usufruem de liberdade não apenas de circulação, como também de discurso. Na eventualidade de uma ofensiva estrangeira, poderiam dar a explicação que quisessem para mobilizar fileiras de militantes. E eles não agiriam unicamente na Síria, mas atacariam Israel a partir de Gaza – principalmente – e Cisjordânia.

Para completar este Jardim das Delícias, o próprio Hezbollah, no Líbano, agiria em duas frentes: ao lado do exército sírio e no bombardeio a Israel. Fica fácil entender agora por que ninguém se atreve contra Assad. No entanto, ao esticar demais a corda e dar mostras de que faz o que bem entende contra seus opositores, o presidente sírio se expõe desnecessariamente. Não sei se o faz de propósito, como que para testar os limites ou zombar da impotência internacional. Mas acho que, na medida em que esta é uma situação profundamente desconfortável a EUA, países europeus e à própria ONU, talvez Assad esteja brincando com fogo.

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